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GRAVIDEZ DA ÚNICA VEREADORA DE SJDR ESCANCARA MACHISMO NA POLÍTICA

Por Najla Passos
Da Editoria

Aos 32 anos, grávida de 8 meses, Lívia Guimarães é a 8ª vereadora eleita em São João del-Rei e a 1ª a ficar grávida no exercício do cargo, em 306 anos de história do município. (Imagem: Arquivo pessoal)

Aos 32 anos e as vésperas de ser mãe pela primeira vez, a vereadora Lívia Guimarães não sabe que procedimento adotar para tirar licença-maternidade da Câmara de Vereadores de São João del-Rei. “O legislativo local é um espaço tradicionalmente masculino. A possibilidade de uma vereadora engravidar sequer foi prevista pela Casa”, espanta-se ela.

Lívia é a mais jovens das oito mulheres que já ocuparam o cargo de vereadora na cidade, desde 1957, quando a Câmara registrou a presença da primeira delas. Na atual legislatura, é a única mulher entre os 13 vereadores. Uma média de participação feminina de 7,7%, em um município em que as mulheres são 52% da população, conforme o IBGE.

No executivo do município, a baixa representatividade feminina é ainda pior. Prefeito e vice-prefeito são homens. Aos 306 anos, São João del-Rei ainda faz política como na época em que foi fundada. São os homens – e os homens brancos – que definem, quase que completamente, onde serão investidos os impostos pagos pelos cidadãos.

Aos 306 anos, São João del-Rei ainda faz política como na época em que foi fundada. São os homens brancos que definem onde serão investidos os impostos pagos pelos cidadãos.

Machismo na política

A falta da presença das mulheres nos espaços de decisão política tem consequências graves. Uma delas é a falta de políticas públicas para enfrentar a violência contra a mulher, que também persiste ao longo das décadas na cidade centenária. No dia 3/12/2019, Lívia ocupou a tribuna da Casa para denunciar o feminicídio que acabara de ocorrer no bairro Tijuco, onde uma mulher foi assassinada com nove facadas pelo companheiro.

“Lugar de mulher também é na política e a Câmara dos Vereadores é lugar de discutir política. (…) É aqui, no plenário desta Casa, que deveria ser o lugar de discutir os casos de violência doméstica que acontecem em São João del-Rei, e quais políticas públicas deveriam ser aplicadas no município para evitar a morte de mulheres. É aqui que deveria ser discutido o porquê de a Casa de Passagem de mulheres vítimas de violência estar fechada”, afirmou.

Conforme a vereadora, a discussão sobre o machismo que ronda o cotidiano das mulheres são-joanenses ainda é mínima na Assembleia. “É meu papel, como única vereadora dentre os 13 eleitos no município, trazer a discussão para dentro das reuniões. Basta de sermos perseguidas e mortas todos os dias pelo simples fato de sermos mulheres!”, concluiu.

O resultado do pronunciamento foi preocupante. A vereadora recebeu até ameaças pelas redes sociais. Mas não se deu por vencida. “O olhar da mulher para a elaboração das políticas públicas é importante, porque pensamos no todo. Me preocupa que este é um ano eleitoral e não vejo perspectivas de mudança na representação da mulher. Porque precisamos eleger não apenas mais mulheres, mas mulheres comprometidas com as pautas das mulheres”, disse.

“Você subiu na tribuna só para mostrar a barriga?” , me questionaram.

Mulher e ainda jovem?

Lívia Guimarães está no seu segundo mandato como vereadora e conta que, na legislatura anterior, quando eram três vereadoras na Casa, sofria muito mais preconceito do que as colegas porque, além de mulher, também era muito jovem.

“Preconceito é o que mais se vê por aqui. Se é mulher e jovem então, nem se fala. Prova disso é que, no mandado anterior, eu tive dois calos nas cordas vocais. Para eu ter voz, eu precisava gritar”, relembra a vereadora, eu era comumente chamada de menina, de garota. E, segundo ela, nunca como um elogio.

Isso mudou depois da reeleição, quando os colegas perceberam que Lívia não estava brincando: iria não só fazer política, como também denunciar a opressão e o machismo sofrido. Ainda assim, enfrenta desafios como não saber como gozar sua licença maternidade.

“A Câmara não sabe se vou receber o auxílio-maternidade por aqui ou pelo INSS, se devo ou não chamar suplente… porque a mulher, em São João del-Rei, só ganha o direito de participar da política depois que já está com sua vida feita: já casou, já teve filho, já trabalhou e já aposentou. Antes disso, não pode”, denuncia.

“Me irrita muito quando os homens marcam reunião para 11h da manhã, porque eles chegam em casa e o almoço está pronto”

Candidatas laranjas

A Lei 9,504/1997, a Lei das Eleições, estabelece a cota de pelo menos 30% de representação feminina há mais de duas décadas. Mas não consegue reverter candidaturas femininas em mulheres eleitas. O principal motivo é a ocorrências das candidatas laranjas, mulheres inscritas apenas para cumprir a legislação, sem receber o devido apoio dos partidos.

Nas Eleições de 2016, as mulheres foram 83 dos 249 candidatos a vereadores em São João del-Rei. Ou seja, 33,33% das candidaturas. Entretanto, cinco delas não tiveram nenhum voto e outras seis conquistaram menos de dez votos. Entre os cem candidatos mais bem votados, apenas 12 eram mulheres.

Cinco candidatos concorreram a prefeitura de São João del-Rei: três homens e duas mulheres. Os 83,27% dos 66.439 eleitores que compareceram às urnas não consideraram o gênero no momento da votação. Os três homens abocanharam 65,24% dos votos. As duas mulheres obtiveram 7,88%.

“Para atuar na política, a mulher precisa matar três leões por dia. Exige-se delas muito mais requisitos do que do homem. Além disso, São João é uma cidade muito conservadora, em que as mulheres não são criadas para ocuparem estes espaços. Mas a minha presença aqui na Câmara já faz com que meninas mais jovens sonhem com a carreira política”, avalia Lívia.

Números nacionais

Com apenas uma ministra nomeada pelo presidente Jair Bolsonaro, o Brasil ocupa a 167ª posição em representação feminina no Executivo, entre os 174 países ranqueados pela pesquisa feita pela ONU Mulheres em parceria com a União Interparlamentar (IPU, na sigla em inglês), este ano.

No parlamento, as mulheres passaram a ocupar 15% das vagas, desde as Eleições de 2018. Elas são 77 cadeiras dos 513 deputados, o que significa um aumento de 50% em relação à legislação anterior. E 12 dos 81 senadores, índice que se mantém.

Até então, o Brasil ocupava a 152ª posição em representação feminina no parlamento, entre os 190 países ranqueados pela IPU, em pesquisa de 2018, anterior às eleições brasileiras. 

Raça e Etnia

Nas eleições de 2016, dos 244 candidatos a vereador em São João del-Rei, 149 se autodeclararam brancos, 58 pardos e 37 pretos.

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