Lucas Guimarães
Especial para o Notícias Gerais
A importância do carnaval no Brasil é tanta que a festa nunca havia sido cancelada – teve durante as duas grandes guerras, quando o país passava por um luto oficial, e na pandemia da gripe espanhola também. Contudo, o cenário de 2021 é diferente. Agora, com mais de onze meses do primeiro caso de Covid-19 no Brasil e quase 240 mil mortes, o brasileiro se vê pela primeira vez com a necessidade do cancelamento da festança mais popular do país. Os desfiles, bloquinhos e até o feriado foi cancelado. E Barbacena não é exceção nesse contexto pandêmico, não tem blocos, palanque, serpentina ou glitter. Restando para a data de 2021 somente a recordação da memória local.
A história do carnaval barbacenense passou por altos e baixos nas últimas décadas. Nos anos 70 e 80, a cidade se deliciava com o auge dos desfiles, dos carros alegóricos, das baterias e das escolas de samba. As principais escolas eram a Tijuca, sediada no bairro São José, a Vila do Carmo, que era a mais antiga, e a Voz do Povo, do bairro Funcionários. Fundada em 1970 por Clésio Mazzoni e sua família, a Voz do Povo era a maior e mais popular escola de samba de Barbacena – e já chegou a desfilar com 120 instrumentos e 1200 pessoas em 18 alas.
“Quando nós tínhamos as escolas de samba, os hotéis lotavam de turistas, os clubes e sindicatos organizavam festas de carnaval pra depois dos desfiles” – lembra Clésio Mazzoni, hoje com 72 anos. Clésio ainda cita que a escola cativava trabalhadores do Centro até o Funcionários, e, além disso, a Voz do Povo já teve uma sede, cedida para a comunidade no fechamento da escola – hoje o lugar é uma igreja para eventos.
Para o ex-carnavalesco, e atualmente tabelião substituto, não existe mais carnaval em Barbacena, desde 1988, o ano que os desfiles acabaram: “Eles (Prefeitura de Barbacena) acham que carnaval popular é montar um palanque, contratar uma banda e espalhar meia dúzia de caixas de som, e realmente dá certo porque o carnaval é feriado e o povo quer ir pra rua, mas isso não significa que teve carnaval só por ter gente lá”.
“Em uma brincadeirinha, sem falsa modéstia, eu poderia dizer que eu era o Castor de Andrade do carnaval em Barbacena. Só faltava o jogo do bicho”
Clésio Mazzoni
A Voz do Povo era viabilizada com o apoio da Prefeitura, dos comerciantes, e da comunidade. Mas, pela falta de incentivo e estímulo do poder público, a era dos desfiles de escola de samba acabou em Barbacena no final da década de 80. O carnaval se pulverizou nos anos seguintes. José Luiz Miranda Magalhães Filho foi um dos foliões que sentiu esse baque. Conhecido pelo apelido de Barão, José Luiz tinha o hábito de sair no centro barbacenense com uma máscara de velhinho ou velhinha, fantasiado com bengala e luvas; lá ele brincava com as pessoas e mais tarde voltava sem fantasia para ouvir os relatos sobre a visita de um idoso desconhecido mais cedido. “Em uma dessas daí, eu me arrumei, e quando cheguei na Rua XV (de Novembro) não tinha nada, nada, tudo parado, nem um cara com uma lata pra fazer uma musiquinha” – conta Barão.
Ele, então, retornou ao Olympic, se trocou, e foi andando para casa. No caminho, ele parou no bar do JJ Araújo – que não existe mais – na Boa Morte e ficou lamentando o fim do carnaval na cidade: “Não tinha mais carnaval como tinha antes, não era mais animado como era antes”. No bar, Barão e seus amigos Cacá e Toinzim decidiram por passar o chapéu e contratar uma bandinha, e, quem sabe, ela não poderia ir até o centro com eles. A bandinha topou, e, ainda sem nome, um folião sugeriu Recordar é Viver, que logo foi acolhido como nome oficial. Assim, na quinta-feira do carnaval de 1998, o bloco era fundado em Barbacena.
Com foco nas marchinhas, levando todas as gerações para a rua, o Recordar é Viver já completou 22 edições. Sempre com saída no local de fundação do bloco, os foliões vão a caminho do Centro, as vezes até à igreja do Rosário, as vezes até à igreja da Piedade, as vezes até à Praça do Globo, e retornam à Boa Morte. Segundo Barão, o bloco chegou a levar 3000 pessoas em seu trajeto – não se lembra muito bem qual ano -, mas que de média sempre tem por volta de 2000 pessoas. Barão ainda conta da dificuldade de se fazer um bloquinho: “Rifas, feijoada, vendemos brinde, recebemos ajuda de comerciantes, da Prefeitura, já fizemos de tudo um pouquinho”.
Barão, professor de educação física de 60 anos, fundador do Recordar é Viver pela sensação de “ressaca do fim do carnaval em Barbacena”, não lamenta a não realização da festança em 2021. “O motivo é nobre, os efeitos do natal e réveillon nós estamos sentindo agora” – pontua o carnavalesco. Barão coloca ainda que o triste é o carnaval acontecer e o Recordar é Viver não conseguir colocar o bloco na rua por falta de recursos, fato que ocorreu uma vez.
“Temos que fazer o carnaval pra frente, sem baixas. As vezes por conta de uma reuniãozinha que a gente vai, quando chegar o carnaval mesmo podemos estar com a ausência de alguém querido, que sempre participou”
Barão
Barão finaliza dizendo que se o carnaval acontecer em julho, setembro ou novembro, não tem problema para ele: “A gente só vai acumulando essa energia do carnaval mais pra frente”. Não existe data marcada até o momento para o carnaval em Barbacena.