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NA LINHA DE FRENTE: “RESPEITAR O ISOLAMENTO SOCIAL É PENSAR NO OUTRO”, DIZ JORNALISTA INFECTADO PELA COVID-19

Foto: Arquivo pessoal

Najla Passos
Notícias Gerais

O jornalista Morillo Carvalho, 35 anos, causou polêmica ao criticar publicamente, nas suas redes sociais, as pessoas que não cumprem o isolamento social, contribuindo para que a doença faça mais vítimas no país. Apesar de seguir à risca as regras determinadas pelas autoridades sanitárias, ele foi infectado pelo novo coronavírus quando estava trabalhando para manter um serviço essencial a toda a democracia, ainda mais em tempos de pandemia, fake news e negacionismos : o jornalismo.

Antes da pandemia, ele trabalhava como jornalista da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)  e como social media da Rádio Club FM. E, como é asmático, conseguiu que ambas as empresas o liberassem para fazer home-office na segurança do lar, condição na qual permaneceu por quase dois meses. Mas a crise econômica provocada pela pandemia obrigou a rádio a demitir toda a equipe de social mídia. “A demissão foi o primeiro impacto da Covid-19 na minha vida”, afirma.

Morillo, então, aceitou fazer trabalho free lancer como repórter para o SBT. Além de melhorar a renda, poderia ajudar a sociedade com informações em um período tão importante. “Eu aceitei o trabalho porque assim eu ficava menos confinado. E nós tomávamos todos os cuidados: usávamos os equipamentos de proteção, os carros eram esterilizados e as entrevistas eram gravadas nas ruas, em externas”, relata.

A situação mudou, no início de agosto, quando começou a trabalhar com edição, na redação da empresa. “Eu comecei na segunda, na terça já senti os primeiros sintomas e na quarta já não pude mais ir trabalhar”, lembra. Morillo foi uma das vítimas do surto que acometeu a redação do SBT em Brasília – e que levou a empresa a tomar a medida drástica de transferir a ancoragem do telejornal para São Paulo. “Dos 40 funcionários, 35 foram infectados”, afirma.

Segundo ele, a equipe desenvolveu sintomas mais brandos da doença: todos sentiram dores no corpo e na cabeça; alguns tiveram também coriza e perda do olfato. “Se existe alguma espécie de subtipo do vírus, o que pegou todo mundo do SBT foi o do tipo mais leve”, diz. “Uma outra explicação seria os cuidados que tínhamos: uso de máscaras na redação, álcool em gel e limpeza”, acrescenta.

O jornalista, como os demais colegas, foi tratado com medicação leve. Ainda assim, a experiência não foi nada agradável. “A Covid-19 é uma bomba-relógio que se instala dentro de você. A qualquer momento sua saúde pode mudar, você pode se debilitar e começar a sentir sintomas mais graves e ter que ir parar na ventilação, ter que ir parar na UTI. Não é uma gripezinha. E não é fácil passar por isso”, afirma ele.

Morillo lembra o que aconteceu com um amigo, editor de um grande portal do país, que foi levar a mãe ao hospital com sintomas leves e, enquanto estacionava, ela piorou e, em muito pouco tempo, acabou morrendo. “É muito ruim você estar com um vírus que é capaz de se agravar muito rapidamente e você acabar morrendo”, explica.

Da revolta à tristeza

No dia 5 de agosto, Morillo tinha acabado de receber o resultado do exame confirmando que ele estava infectado pela Covid-19, quando viu um vídeo nas redes sociais que chamou sua atenção. Uma jovem, sem máscaras, se aglomerando numa balada, dizia que não haveria governante que a obrigasse a usar máscara, que não estava preocupada com sua saúde e coisas do tipo.

“A minha vontade, quando peguei o coronavírus, era abraçar uma criatura destas para ela experimentar o que é estar contaminado. Claro que não passou da vontade”, conta ele. “É revoltante e entristecedor, porque o jornalismo é um serviço essencial. A gente não pode parar de contar as histórias. E se o isolamento social fosse levado a sério, nós estaríamos mais seguros para fazer o nosso serviço essencial na rua”, desabafa.

“Grande parte da população que não consegue desenvolver o sentimento de empatia com o próximo e isso entristece muito. Eu fiquei muito revoltado quando descobri, porque eu tomei todos os cuidados que estavam ao meu alcance. Eu passei meses sem ver o meu filho. Eu vi meu filho com a maior proteção do mundo no dia do aniversário dele, sem poder abraça-lo, apertá-lo”, desabafa.

Para Morillo, jornalistas, profissionais de saúde, da limpeza urbana, nos transportes públicos, enfim, todos aqueles que não podem parar teriam outras condições de segurança se os demais obedecessem às restrições.  “O isolamento social é pensar no próximo, não em si mesmo. E as pessoas têm muita dificuldade de pensar no outro”, reflete.

Jornalistas e Covid-19

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) realizou uma pesquisa, entre 20 de maio e 10 de junho, com 457 profissionais da comunicação para saber como a pandemia os estava afetando. Naquele momento, a maioria ainda permanecia em home office (75,2%), o que os mantinha mais protegidos.

Mas 205 deles já relatavam que as empresas em que trabalham não ofereciam as condições adequadas de trabalho. Só 46,2% afirmaram que o oferecimento de equipamentos de proteção individual era adequado, enquanto 47,7% avaliaram que a empresa poderia melhorar as condições de trabalho diante das medidas protetivas contra a Covid-19.

A maioria (55,5%) dos jornalistas que responderam à pesquisa informou que aumentou a pressão no cumprimento da função: estresse, cobrança por resultados, sobrecarga/acúmulo de trabalho. E 20% deles, naquele momento, relataram que colegas de redação já haviam contraído Covid-19.  Com a reabertura de serviços e comércios, o quadro vem se agravando.

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