Isadora Jales, Luan Giacomini, Lucas Alves Faria e Lucas Guimarães
Especial para o Notícias Gerais
O sonho que a cidade de São João del-Rei vive no começo de 2021, com o Athletic Club disputando a primeira divisão do Campeonato Mineiro, deixa para trás uma bela história de amadorismo de quase 50 anos. Antes do resgate do futebol profissional em 2018, o Esquadrão de Aço havia jogado profissionalmente pela última vez em 1970. O final da década de 60 foi agitado para os torcedores são-joanenses, com muito futebol, estádio cheio, rivalidade e histórias.
Em 1961, com a grande quantidade de times profissionais em Minas Gerais, muitos surgindo no interior, o Campeonato Mineiro foi dividido em Divisão Extra, correspondente à primeira divisão, e a Primeira Divisão de Profissionais (PDP), que era a segunda divisão. O Athletic disputou a PDP em 66, 67 e 68. Já em 1969, as formas de disputa mudaram novamente. Por conta de um novo inchaço no número de clubes, aconteceu a Divisão Extra, a Divisão de Acesso, e a Primeira Divisão de Profissionais. E a PDP de 69 foi marcante na história centenária do Athletic.
A competição era formada por duas chaves, o vencedor de cada uma se classificava para a final. O Athletic foi campeão da sua chave e disputou a final contra o Nacional de Muriaé. Jogando fora de casa, o Athletic perdeu por 3 a 1, na volta, no Joaquim Portugal, 3 a 2 para o Esquadrão de Aço. Com um triunfo para cada lado, o regulamento previa um terceiro jogo em campo neutro. As equipes, então, realizaram uma partida desempate no Estádio do Mineirão; 2 a 1 para o Nacional de Muriaé, e a equipe de São João del-Rei ficou com o vice-campeonato.
“Eu fiz gol nos três jogos. No Mineirão, eu fiz o nosso gol de falta. O jogo era uma preliminar de uma partida entre a seleção mineira e a seleção carioca. Nesse dia a seleção mineira ganhou por 4 a 0, quatro gols do Dadá, a seleção também tinha Dirceu Lopes, Piazza, Tostão” – conta o ex-atacante do Athletic, Magno dos Santos. Ele está no Esquadrão de Aço desde 1959 – com alguns períodos de ausência – mas já foi jogador, técnico, e, hoje, aos 76 anos, é coordenador de futebol da equipe são-joanense.
Os jogos eram no estádio Joaquim Portugal, no Matozinhos. Magno conta que a torcida lotava as tribunas, e, por vezes, improvisavam até arquibancadas de madeira para caber mais gente: “Era até perigoso, já jogamos até para 6 mil lá, casa sempre cheia”. No ano seguinte, o Athletic foi convidado para disputar a Divisão Extra, em uma nova configuração de divisões e fórmulas de disputa. Haviam três grupos de oito equipes, e os times mais fortes, como os da capital mineira, entravam na fase posterior, jogando somente contra os classificados dos grupos. No grupo C, o Athletic terminou somente na sétima colocação. “Nós fomos muito mal, uma desorganização tremenda”, recorda Magno. E, para além da frustração técnica, a equipe de São João del-Rei sentiu no bolso os problemas do Campeonato Mineiro de 1970.
“O visitante recebia alguns salários mínimos que o dono da casa tinha que dar nos jogos. Aqui nós pagamos os times, quando fomos jogar fora, não tínhamos maldade, ninguém nos pagou, não recebíamos. Com aquilo, não só o Athletic, mas outras equipes do interior também faliram.”
Ex-atacante e ídolo do Athletic, Magno dos Santos
Confira aqui fotos históricas do acervo pessoal do craque Magno dos Santos:
Foi então, com a falta de dinheiro de um lado e acúmulo de dívidas do outro, que o Athletic voltou ao amadorismo no final da Divisão Extra de 1970. Segundo Magno, criou-se um medo de profissionalismo na diretoria: “O Athletic, na época, precisou até vender um terreno de 110m² para pagar dívidas, então não tem como culpar os diretores por esse medo”.
A viabilidade do profissionalismo no final da década de 60 passava pelos empresários da cidade e a população que apoiava comprando carnês associados ao clube. “Se a equipe vai bem eles compram o bilhete, se vai mal, somem. Nessa retomada ainda não teve crise, mas quando tiver vocês vão ver, cobram o Athletic como se fosse o Real Madrid” – Magno recorda e dá esse puxão de orelha na cultura futebolística da cidade.
Contudo, a volta ao amadorismo não significou o definhamento do futebol em São João del-Rei, pelo contrário. A paixão continuava viva, América, Athletic, Minas e Social movimentavam os gramados da cidade e região. A maior rivalidade, para Magno, era Athletic e Minas, que, segundo ele, era como Atlético e Cruzeiro. “Rivalidade é muito boa porque motiva, quando o Minas paralisou, o campeonato amador de São João del-Rel esfriou”, pontua Magno, que já treinou o Minas, o Social e o América, além do Athletic. O coordenador de futebol do Esquadrão de Aço conta que montou, como treinador, a base da equipe do Athletic de 1981, que foi hexacampeã na cidade: “Eu fui para o Minas em 83, saí, e depois voltei em 87, o Athletic estava para ser hepta, mas nós tiramos o título deles, fomos os campeões”.
Nesse período de campeonatos amadores movimentando a cidade, a torcida athleticana seguiu firme em seu amor, e conseguiu, também, criar uma base de novos torcedores. Como Paulo Pires, de 40 anos, ex-diretor da torcida organizada do Esquadrão de Aço. Paulo conta da primeira vez que foi ao estádio para assistir um jogo de futebol ainda criança com seu pai, numa final de campeonato contra o Minas, o poderoso Leão da Biquinha. “O campeonato amador na cidade era enorme, aquele jogo teve papel picado, foguetório, charanga e o Athletic sagrou-se campeão, daí em diante eu passei a torcer pelo Athletic”, relembra Paulo, da sua primeira tarde no Joaquim Portugal.
Com uma vida toda dedicada ao Esquadrão de Aço e ao futebol em São João del-Rei, Magno dos Santos vem se relacionando com a retomada de 2018 com um pouco de cautela, mas com orgulho também. “A gente sempre torceu para isso, se conseguir manter as coisas sérias como estão, o Athletic tem tudo para colher ótimos frutos”. O ex-goleador da cidade não exige tanto desse sonho relâmpago vivido por São João del-Rei: “O meu campeonato é ser o 10º, porque o 11º e o 12º são os rebaixados, o que vier na classificação acima disso é lucro”.
A volta, o sonho e a cautela
Cláudio Gonçalves é o responsável pela retomada do futebol profissional no Athletic. Presidente da equipe de 2013 a 2018, e atualmente presidente do conselho do clube, Cláudio concorda com a visão de Magno: “Começamos bem esse ano, mas vieram alguns reveses, não é chão arrasado, não tem que mudar tudo. O objetivo do Athletic tem que ser permanecer na primeira divisão, se vier classificação para o Troféu Inconfidência, Série D ou Copa do Brasil, é uma consequência de trabalho”. Hoje, na zona de rebaixamento estão Boa Esporte e Coimbra, com 5 pontos cada.
O Boa Esporte tem um jogo a menos, que será nesta quarta (14), às 16 horas, em Varginha, contra o Tombense. Além deste jogo atrasado, faltam duas partidas para cada equipe. O Coimbra, mesmo que vença as duas, não alcança mais o Athletic. Já o Boa, caso não vença o Tombense, também não conseguirá mais ultrapassar a equipe são-joanense, já que, se empatar, ainda pode chegar aos 12 pontos mas com três vitórias, e o Athletic possui 12 pontos com 4 vitórias – primeiro critério de desempate.
As vagas da Série D e da Copa do Brasil são relativas. Minas Gerais tem direito a três vagas na Série D de 2022. Assim, os três primeiros na classificação – sem contar América, Atlético, Cruzeiro e Tombense, que já têm divisões nacionais – serão classificados para a Série D do ano que vem. Para a Copa do Brasil, a Federação Mineira tem, a princípio, vaga para os quatro primeiros colocados, mas o número pode aumentar, dependendo de ranking e vagas de Libertadores. As oito primeiras equipes do último Campeonato Mineiro disputarão alguma divisão nacional e/ou Copa do Brasil este ano, mas, como o Boa Esporte foi rebaixado da Série C para a Série D na última temporada, o número deve transitar entre os seis ou os sete primeiros. Hoje, o Athletic é o 7º colocado do torneio.
Cláudio Gonçalves conta que a volta para o profissionalismo foi antecipada e fugiu dos planos da diretoria. O Athletic contratou Fábio Nem em 2016, que estava no Figueirense, para gerenciar o futebol do clube, com planos de disputar todas as categorias de base até o sub-20. “Disputamos em 2016 e 17, mas para continuar disputando tínha que pagar uma taxa de profissionalização, que era de 200 mil”, lembrou o ex-presidente do Athletic. A diretoria, então, pagou essa taxa com a ajuda de empresários da cidade.
“Mas a federação mudou, para disputar o sub-20 teria que jogar o profissional, não teve escapatória. Teve que antecipar uma profissionalização, que já era um plano a longo prazo. E acabou que deu certo, a gente subiu no primeiro ano”.
Cláudio Gonçalves, que presidiu o Athletic entre 2013 e 2018.
Acesso em 2018, permanência em 2019, novo acesso em 2020, e, agora, primeirona em 2021. Quem mais se deliciaria, de perto, nesse sonho são-joanense é a torcida do Athletic, que esteve lá na 3ª e 2ª divisão. Para Paulo Pires, a retomada do futebol profissional ainda coincide com o período em que ele assumiu a direção da torcida organizada do Athletic: “Fiquei um ano e três meses, assumi em 2018, fizemos muita bandeira, muita excursão para jogos fora de casa, a torcida cresceu”. A pandemia da covid-19 tirou, por ora, esse gosto dos torcedores. Mas, ainda assim, Paulo tenta viver esse momento: “Muito gratificante, está sendo maravilhoso para a cidade”.
O Athletic ocupa a 7ª colocação da fase classificatória com 12 pontos conquistados em nove partidas, e ainda enfrenta a Caldense e o Atlético. Os quatro primeiros ao final disputam as semifinais do campeonato, hoje, a Caldense é a 4ª colocada com 14 pontos. As equipes que terminarem entre a 5ª a 8ª posição irão para o Troféu Inconfidência – atualmente, o primeiro time fora dessa zona é o Uberlândia, em 9º, com 10 pontos.
Com grandes chances de se manter na principal divisão do campeonato estadual, o Athletic pode sonhar com uma consolidação do clube no futebol profissional. Neste momento o torcedor respira mais aliviado e pensa mais adiante, numa possível disputa de campeonato nacional. O que fica marcado é uma rica história que passa por altos e baixos, mas que supera as adversidades, e encontra na paixão pelo alvi-negro a motivação para continuar escrevendo novos capítulos.