Kamila Amaral
Notícias Gerais
Cerca de nove mil pessoas residem em Santa Cruz de Minas. Essa população conta com doze agentes comunitários de saúde, que, antes da pandemia da Covid-19, realizavam visitas rotineiras nas casas para ajudar, por exemplo, com receitas e medicamentos, bem como monitorar as condições físicas e mentais da população.
Um desses profissionais é o agente de saúde, Rafael Joelson da Silva. Ele atua há cerca de três anos na área e conta que o que mais gostava no serviço era o vínculo criado com as famílias. “Os idosos gostavam muito das visitas, chamavam a gente para entrar, tomar café e conversar. Nós acompanhamos também o desenvolvimento das famílias, as crianças crescendo… as mulheres descobrindo as gestações…”, conta Silva.
Tudo isso mudou com a pandemia: os agentes de saúde, que antes eram divididos entre os três Postos de Saúde da Família (PSFs) da cidade, foram agrupados na Unidade Básica de Saúde e as visitas de rotina foram suspensas. “A ideia era concentrar as informações em um só lugar (na UBS). Foi difícil, porque antes nós íamos até as pessoas e agora tínhamos que evitá-las. E só poucas delas virem até nós”, relata.
Segundo informações, a unificação do local de trabalho dos agentes de saúde já está para ser dissolvida. Ainda não tem data para acontecer mas, na semana passada, foi decidido que os agentes vão voltar para os PSFs. As visitas, no entanto, serão só em casos de pessoas que precisam de algum serviço do município.
O trabalho e o medo
O medo, que muitos sentiram com a chegada do novo coronavírus na região, também atingiu o agente de saúde. Ainda mais do que isso, Silva revela que, antes de atual momento da pandemia, se sentiu ansioso e experimentou um sentimento de impotência em relação ao trabalho: havia a necessidade de fazer mais.
“No início a gente ficou com muito medo, mas um médico da UBS disse para a gente que era quase inevitável que a gente pegasse a doença, por conta do nível de contaminação e tal. Então, tínhamos que tentar manter a cabeça no lugar, cuidar da saúde mental”, afirma.
Como os agentes de saúde nunca tiveram suas atividades suspensas, eles tiveram que lidar também com o medo de levar o vírus para casa e contaminar seus familiares.
“Eu fiquei sem ir ver meus avôs – que antes eu via todo dia. Ainda hoje quando eu vou lá é rápido, não tem contato físico e eu evito encostar nas coisas. Minha esposa ficou muito assustada também”, comenta Rafael.
Pecar pelo excesso
Nenhum dos agentes de saúde de Santa Cruz de Minas chegou a ser diagnosticado com Covid-19. No entanto, a administração municipal registrou, até a última sexta (21), 52 casos confirmados e quatro mortes pela doença.
“No início, parecia que a gente estava sendo chato, intransigente. As pessoas ignoravam os alertas, faziam aglomeração e não usavam as máscaras, mas a gente preferiu pecar pelo exagero. Numa cidade como Santa Cruz, que tem nove mil habitantes, se tiver 15 ou 20 mortes por uma doença dessas é uma tragédia muito grande”, desabafa.
Defesa do SUS
Para Rafael, trabalhar como agente de saúde durante a maior crise sanitária da atualidade foi uma experiência desafiadora e que o permitiu ter a certeza da importância do Sistema Único de Saúde (SUS).
“O SUS não é perfeito, mas o problema é a má gestão. Nós fazemos diferença na vida das pessoas. O SUS é muito necessário, principalmente, na atenção básica”, defende o agente de saúde de Santa Cruz de Minas.
Série especial “Quem Nunca Parou”
Na semana em que o Notícias Gerais está quase completando seis meses de existência, a equipe do portal inaugura, com a entrevista de Rafael, uma nova série de matérias: “Quem Nunca Parou” vai reunir relatos de profissionais de saúde que atuam na linha de frente contra a Covid-19 em diferentes cidades da região.
Para fazer uma sugestão de entrevistado, envie nome, profissão, cidade em que atua e telefone de contato para o seguinte e-mail: arthurraposo@noticiasgerais.net