Início Gerais Cotidiano RECUPERANDOS DA APAC CRITICAM DECISÃO JUDICIAL QUE PROVOCOU DESEMPREGO

RECUPERANDOS DA APAC CRITICAM DECISÃO JUDICIAL QUE PROVOCOU DESEMPREGO

Foto: Ana Laura Queiroz

Ana Laura Queiroz
Notícias Gerais

Na última segunda-feira (18), 136 recuperandos da Associação de Assistência aos Condenados (APAC), em São João del-Rei, que estavam em regime domiciliar voltaram para o regime aberto, cumprindo pena na instituição.

Por conta do avanço da pandemia, o juiz responsável pela execução penal da comarca de São João del-Rei, Ernane Barbosa Neves, assinou, no dia 30 de dezembro de 2020, a permissão especial de saída para a prisão domiciliar dos recuperandos.

O Notícias Gerais escutou três dos 136 recuperandos que estiveram em regime domiciliar neste período e apurou que a medida, que deveria trazer alívio aos detentos, acabou provocando um problema maior: limitados a permanecerem nas suas casas, detentos que já trabalhavam perderam seus postos de trabalho e, com isso, a renda com que sustentavam suas famílias.

Pandemia e prisão

“Aqui entra o homem, o delito fica lá fora”, é o que diz a placa sobre a porta de entrada para a Casa do Albergado, da APAC-São João del-Rei. Ali fica o dormitório de 136 recuperandos masculinos que cumprem pena no regime aberto. Para eles, até o início da pandemia, a rotina consistia em sair da APAC às 6 horas da manhã e regressar às 19 horas. Neste período, era permitido visitar a família e trabalhar, fosse formalmente ou fazendo bicos.

Entretanto, com o avanço da pandemia, o fluxo de entrada e saída da Casa do Albergado se tornou um risco eminente de contágio em massa. “A única coisa que eles pediam era para usar era máscara. Não tinha distanciamento, não tinha nada. A gente ficava preocupado, na rua… porque, você vinha em casa, ia pro serviço, voltava pra casa, ia pro albergado”, conta um dos recuperandos que pediu para não ser identificado.

Ao longo do ano, cinco funcionários e outros 19 recuperandos testaram positivo para Covid-19. Os números foram confirmados pelo presidente voluntário da APAC, Antonio Fuzatto, que afirma que agora está tudo bem na instituição, com testagem em massa de reeducando s funcionários.

Restrições de direitos

Com a pandemia, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano passado, editou a Recomendação Nº 62, a qual orientava os tribunais e magistrados a adotarem medidas preventivas à propagação da Covid-19 no sistema prisional. Avaliar a possibilidade de progressão antecipada do regime semiaberto e aberto, para o regime domiciliar, está no Artigo 1º do documento.

Em conversa com o NG, três recuperandos que estavam em regime aberto e foram para o regime domiciliar, após decisão do juiz de execução penal responsável, Ernane Neves, relataram a privação do direito ao trabalho. Os três possuíam carteira assinada e, por 20 dias, não puderam comparecer ao serviço. A decisão se estendeu aos 136 recuperandos do regime aberto da APAC-São João del-Rei.

“Eu perdi meu serviço, mandaram eu ir embora. Outro rapaz também perdeu o serviço dele. Como que ele [juiz Ernane] quer ressocializar as pessoas da APAC?”, questiona o recuperando Flavio Fauzino da Silva, de 35 anos, que perdeu o emprego após 18 dias sem permissão para comparecer ao trabalho.

À reportagem, o presidente da Associação disse que, à época a recomendação da APAC foi para que os recuperandos negociassem com seus patrões. “Nós orientamos a eles o seguinte: vocês vão ficar 18 dias em casa; vocês vão negociar com o patrão de vocês para tirarem férias nessa época”, afirma ele. 

Os 136 saíram todos em um único dia e, de acordo com Fuzatto. Segundo ele, o magistrado disse que se os recuperandos queriam regime domiciliar, iriam ter, mas era para ficarem em casa, sem trabalhar. “Não teve negociação”, compartilhou.

O presidente da APAC atesta que a decisão não possui grande impacto. Segundo ele, são poucos os detentos do regime aberto que trabalham formalmente, de carteira assinada. “Dos 136, se trabalhar 36 é muito, viu? (…) Porque nós não temos nem controle deles, eles saem às 6h e voltam às 19h… Então o que faz lá na rua? Eu não tenho controle”, alegou.

Abuso de poder

Para a advogada-popular Carolina Barreto Lemos, mestre em filosofia pela Universidade Panthéon-Sorbonne e doutora em direito pela Universidade de Brasília, a decisão do juiz responsável foi arbitrária e pode ser considerado abuso de poder.

“Eu acredito que é um abuso de autoridade, porque é uma decisão arbitrária. […] Não tem nenhuma base jurídica para o que esse juiz fez, inclusive é uma coisa inédita, porque é muito comum pessoas do regime aberto estarem no domicílio e saírem para trabalhar.”, compartilha.

Para a advogada, a partir do momento que a pessoa tem um bom comportamento, a pena se amolda a esta situação individual. Neste caso, privar um recuperando que já possui um trabalho é regredir na ressocialização, que, de acordo com Carolina, deveria ser o objetivo principal do sistema carcerário.

A Lei de Execução Penal (LEP) estabelece que o trabalho é uma obrigação para aqueles que estão em regime aberto. “Neste caso, você está pegando pessoas que estão integradas ali na sua comunidade, que estão com trabalho e você está restringindo este direito. […] Eles não têm culpa da pandemia. Então é extremamente absurdo você restringir um direito sem a menor necessidade, como é este caso, não tem a menor necessidade dele ter feito isso.”, comenta Carolina.

Números do emprego

A APAC, até o momento da entrevista, não possuía números oficiais de recuperandos que trabalham com carteira assinada. Entretanto, 45 que estão em regime semiaberto trabalham nas dependências da Associação, de acordo com o presidente. Outros 34, também do semiaberto, trabalham em convênio com a prefeitura.

Outro lado

O Notícias Gerais entrou em contato, via e-mail e telefone, com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais para escutá-lo sobre o caso, assim como o juiz Ernani, na noite da última quinta-feira (21).

Entretanto, até o fechamento desta matéria, não obteve respostas.

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