

Kamila Amaral
Notícias Gerais
Tem quem diga que ano só começa mesmo depois do Carnaval. No entanto, para os envolvidos com as escolas de samba e preparação dos desfiles, o Carnaval é a conclusão de um processo, de um ano inteiro de preparação. E logo depois que ele termina, já é hora de pensar o próximo.
Esse ano as coisas vão ser diferentes, os blocos e desfiles foram cancelados devido a pandemia. O Governo de Minas Gerais suspendeu o feriado e não declarou ponto facultativo. A Prefeitura Municipal de São João del-Rei informou, ainda no dia 22 de janeiro, o cancelamento do Carnaval 2021.
Isso não significa que a data não deva ser lembrada. Para homenagear a maior festa popular do país, o Notícias Gerais conversou com algumas escolas de samba de São João del-Rei para relembrar suas histórias.
Unidos de São Geraldo
A história da GRES Unidos de São Geraldo começou com uma mulher. Ainda em 1978, a dona Maria do Sr. Nem se reuniu com um grupo de mulheres e fundou o chamado Bloco do Urubu, que viria a se tornar a GRES Unidos de São Geraldo.


O sucesso veio cedo e em seu primeiro desfile oficial a escola já era campeã do Carnaval. “Na época não havia carnavalesco, a fantasia era desenhada através de uma revista da época; os componentes da escola desciam a avenida cantando o enredo em alta voz, pois não havia sonorização”, conta o tesoureiro da escola, Sandro Marcio do Nascimento, conhecido como Dico.
Ao longo de todos esses anos de Carnaval a escola e a comunidade desenvolveram fortes laços. Um exemplo dessa relação de companheirismo aconteceu em 2019, quando o segundo carro alegórico do enredo “Mais Amor Por Favor” quebrou no meio da avenida e foi carregado pela comunidade até o fim do desfile.


“Esse momento foi marcante para mim e para a comunidade, pois deu para perceber a força que a escola tem juntamente com a comunidade. A destaque não desceu do alto do carro. Balançava de um lado para outro bruscamente e, mesmo assim, ela permaneceu firme, mostrando a raça e a determinação que a escola possui”, descreve Nascimento.
Com as festas e eventos suspensos devido |à pandemia, a Unidos de São Geraldo tem se mantido por meio de rifas e sócios torcedores. Além disso, a escola desenvolveu muito de seu lado solidário, distribuindo doações de cerca de 500 cestas básicas, leite, remédios, roupas e agasalhos, brinquedos e sopas para várias famílias carentes da cidade.


Esperando que seja possível ir às ruas no Carnaval de 2022 e apresentar o enredo “Ouro Negro”, a Unidos de São Geraldo tem se aproveitado do espaço virtual para se manter junto à comunidade. “Fazemos apresentações de integrantes e personalidades importantes da escola, através de entrevistas/lives (…). É uma forma de valorizar e apresentar os integrantes da escola”, diz o tesoureiro da agremiação.
Além disso, já foram realizadas cinco lives com a bateria da escola e um documentário com os congadeiros do bairro São Geraldo.
Bate Paus
Fundada em 1933, a Bate Paus tem orgulho de ser a agremiação carnavalesca mais antiga de São João del-Rei em atividade. Representando o bairro Senhor dos Montes, a Bate Paus nasceu como um rancho carnavalesco, foi um bloco e passou por diversas transformações antes de se tornar o GRES Bate Paus.


“É uma representação muito positiva do bairro, é algo que engrandece a comunidade”, diz o presidente da escola, Alessandro Andrade dos Santos, o Sandro.
Ele descreve como muito próxima e recíproca a relação entre a escola e a comunidade em que está inserida uma vez que, para além da competição e dos títulos, o objetivo principal da Bate Paus é proporcionar alegria, satisfação e bem estar para a comunidade. Além de, em menor escala, gerar empregos e fazer girar a economia do bairro.
A comunidade retribui com trabalhos voluntários, que é o que mantém a escola, o amor e o sentimento de pertencimento.


Como uma história longa possui diversos momentos marcantes é difícil elencá-los. No entanto, o presidente da Bate Paus destaca algumas das grandes conquistas da escola, como o tricampeonato, enquanto bloco, na década de 80 e o primeiro título oficial como escola de samba em 1995.
“Depois em 2014, depois de muitos anos a gente ganhou, ficamos muitos anos sem título, mas aí esse título veio para dar mais uma sacudida e levantada na escola”, recorda Santos.
Devido ao ineditismo da situação, o presidente da Bate Paus diz que é impensável promover o Carnaval durante a pandemia e conta com a vacinação em massa para retomada das atividades carnavalescas em 2022.
Mesmo que não substitua a emoção das ruas, Santos afirma que as redes sociais suprem um pouco da falta que fazem os encontros. “Se não existisse a internet, o silêncio seria ainda pior, porque a gente não estaria mostrando, pelo menos, as nossas ideias nesse momento”, afirma.
Enquanto vive o presente e tenta se preparar para o futuro, a Bate Paus está bem mais de olho no passado. Durante a pandemia, a escola criou o projeto “Memória Verde e Rosa”, voltado para o resgate da história da agremiação. Com moradores, historiadores e outras figuras da cidade estão sendo coletadas fotos, filmagens, relatos, notícias de jornais e outros materiais que ajudem a contar e documentar a trajetória da escola de samba do Senhor dos Montes.
“A gente não tem muito registro oficial, não tem documento, nesta pandemia a gente está correndo atrás disso”, explica o presidente.
Mocidade do Bonfim
A Mocidade Independente do Bonfim retornou ao Carnaval São-joanense, em 2007, depois de seis anos sem desfilar. Com novos fundadores, a escola voltou de cara nova, com novas cores e símbolos.


Nathan Lopes de Carvalho é destaque de luxo e diretor da Mocidade desde 2017 e relembra com carinho e saudade do Carnaval de 2018 quando o enredo da escola homenageou Nelson Mandela e contou com a presença do saudoso sambista João da Cruz Magalhães, o Ginego.


“A escola estava saindo de uma crise e lutando para não se extinguir do Carnaval de São João del-Rei. Apesar do quarto lugar, nossa escola foi aclamada como campeã do povo”, lembra Carvalho.
Mesmo reconhecendo a ajuda que a internet dá quanto o isolamento se faz necessário, o diretor da Mocidade ressalta que a festa carnavalesca é sinônimo de aglomeração, de pessoas e de celebração.


“O carnaval é a festa que trás alegria sem restrição alguma, todas as classes sociais estão presentes aproveitando, sem a sua realização milhares de pessoas perdem sua renda. Eu como profissional do Carnaval acredito que falta apoio do governo para nós trabalhadores que fazemos o espetáculo acontecer gerando uma forte receita para os cofres públicos”, argumenta.
Em meios às dificuldades geradas pela falta de apoio, a Mocidade Independente do Bonfim aguarda o fim da crise sanitária para voltar a se movimentar.
Vem me Ver
A verde e branco é a atual campeã do Carnaval São-joanense. Tendo conquistado o título tanto em 2019 quanto em 2020, a Vem me Ver espera conquistar o tricampeonato no Carnaval 2022.


Caio Andrade, atual tesoureiro que irá assumir como presidente da escola a partir de março, conta que mesmo durante a pandemia a Vem me Ver nunca parou. De início, a escola precisou cancelar a comemoração do bicampeonato, mas logo partiu para o auxílio da comunidade. A escola confeccionou e doou três mil máscaras, além de doses de álcool gel, para os moradores da cidade.
Além do lado social, a escola utilizou do período pandêmico para já dar início a preparação do próximo Carnaval, estruturando a equipe, elaborando o enredo e desenvolvendo toda a parte técnica da escola. A Vem me Ver iniciou também uma loja online durante a pandemia e mais de mil itens foram vendidos para contribuir com a arrecadação.
Em junho de 2021 a Vem me Ver completa seus trinta anos de existência. A escola foi fundada no bairro Tijuco pelos mesmos fundadores do antigo Bloco Pau Molhado. As cores da escola, verde e branco, inclusive, são as mesmas que o bloco ostentava.


A Vem me Ver sempre manteve uma relação muito próxima com a comunidade. “(O Tijuco) é um bairro muito caloroso, um bairro onde o samba se faz raiz e presença há muitos anos”, diz o futuro presidente da escola.
Ele destaca que a continuidade dos projetos de governo, mesmo com as trocas de gestão, tem mantido a Vem me Ver financeiramente estável e contribuído para que o carnaval seja o mais profissional possível.
“Em 2011 a escola quase enrolou a bandeira, mas com a união e a força do Fernando e da Nina, que são os baluartes da escola, eles não deixaram a escola acabar. Depois disso a escola se reacendeu e renasceu das cinzas”, lembra Andrade.


Durante o isolamento, a escola foi uma das que utilizou da internet e redes sociais para se manter próxima a comunidade, foram realizadas lives, entrevistas e campanhas para promover a interação entre a escola e o bairro.
“O Carnaval é feito de pessoas, de matéria humana, ele é feito de gente, ele é feito de suor, de lágrimas, de contato, de pele a pele e de corpo a corpo. Um dos motivos da Vem me Ver ser tudo que ela é hoje é certamente a nossa relação com a comunidade”, frisa Andrade.