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ARTIGO: MAIS INFORMAÇÃO DE QUALIDADE E MENOS OBITUÁRIOS

 Vanuza Resende*

No dia 6 de fevereiro deste ano, eu improvisei o juramento  da turma de Jornalismo da UFSJ: “nós juramos combater as fake news e os opressores”. Juramos. Juramos, após quatro anos de aprendizado. Enquanto eu jurava combater as fake news, Wuhan se tornava uma cidade fantasma, e por consequência, aparecia com mais frequência no noticiário nacional. 

Da dúvida da pronúncia no primeiro dia, ao comentário com os colegas da redação: “gente, vocês estão acompanhando isso? Será que chega por aqui?” Chegou. Em uma reunião com o coordenador de jornalismo, a afirmação: “já estamos pensando em trabalhar de casa”. Naquele momento, as aulas começavam a ser suspensas e uma família chorava a primeira vítima da Covid-19 no país. 

Avalanche de informação

Os casos suspeitos também já começavam a aparecer no interior. É tudo muito rápido, uma avalanche de informações. Não dá para marcar horário com fonte, os fatos vão surgindo e vão atropelando os planejamentos. As entrevistas pontuais não são mais feitas. As fontes começam a te reconhecer. “A gente não pode falar agora.” “Estamos em reunião”. “Não sei te informar isso, talvez mais tarde, ainda não sabemos”. “Negativo, não há nada de confirmado”.

A cada entrevista, a cada apuração, a ânsia de colocar tudo no papel e informar. Informar uma população que muitas vezes já têm aquelas informações, um tanto quanto desencontradas, mas têm. Afinal, estamos na época da internet, as informações não são exclusivas para ninguém, muito menos para a imprensa. O mesmo boletim epidemiológico que eu recebo da Secretaria Municipal de Saúde já está circulando, quase que instantaneamente, nos grupos de classificados do Facebook ou nos grupos da família no Whatsapp.

Mas aqui faz valer os aprendizados da faculdade: a gente não trabalha com especulações, as nossas fontes não são “a prima do vizinho”, a “conhecida do marido da minha amiga”. Nossos dados são oficiais, que também são passíveis de erro. A Secretaria de Estado errou. Ainda que quase 100% dos comentários eram de desprezo pela Secretaria Municipal e pela imprensa. No nosso grupo, consciência tranquila apenas afirmamos o que falamos desde a primeira informação. 

“A intenção é aumentar a programação jornalística com informações precisas, para que não precisemos aumentar o obituário”

Quando autoridades desinformam

É difícil controlar a ansiedade, complicado bater de frente e manter a informação correta quando ela é distorcida por “autoridades locais”, por “personagens conhecidos da cidade” e até mesmo por outros veículos de imprensa. Somos atacados, comparados e inferiorizados. “Não acreditem neles, o político falou. E quem vai mentir a autoridade ou essa imprensa que é paga?”. Ou então, “eu já deixei a muito tempo de acompanhar essa mídia nojenta e manipuladora”. E você que usou seu sábado à noite para exercer sua profissão, dorme desacreditada. Não sabe se realmente vale a pena fazer 14 ligações para redigir um texto de menos de 200 palavras. Afinal, a vizinha disse e ela tem muito mais credibilidade naquele momento. 

O domingo pela manhã chega e você sabe que vai precisar continuar a trabalhar. Por acreditar que muitas pessoas ainda precisam do seu trabalho. Mais informações, uma avalanche de novo. Secretaria Estadual reconhece o erro, não repercute nem 10% da noite anterior. E vem a segunda e a terça. É hora do almoço, a Secretaria Municipal informa: primeiro caso confirmado no município. Documento assinado, verídico.

Preciso informar, aprendi ao longo dos quatros anos, sobre a fugacidade do rádio. Falou, está falado. Não dá para voltar atrás. Eu estou nervosa, controlo minha voz e passo a informação. Repito, falo as principais informações pela última vez, desligo. Com o telefone nas mãos, de dentro de casa, fico sem saber se consegui passar a informação. Minha vizinha estava com o rádio ligado mais cedo, já não ouço mais. Será que chegou? Será que a população entendeu? Será que fiz certo? Um print de um grupo do Facebook chega no WhatsApp. “Tem um caso confirmado na cidade, é verdade?” A resposta: “é sim. Ouvi na rádio.” Pronto. Alguém ouviu. Alguém ouviu e acreditou. Valeram a pena as 14 ligações do outro dia.  

Ataques à mídia

A semana continua com as mesmas ligações. As fontes já começam a fazer o primeiro contato, as informações começam a tomar corpo. Do outro lado, os opressores começam a endossar um discurso contrário ao da mídia e das principais organizações de saúde. Se a dificuldade já era grande para reverter a fala de integrantes do legislativo, imagina falar tudo ao contrário do que diz a maior autoridade do país, (pelo menos era para ser). Mas as mortes aumentam a todo o momento, o meu colega de redação tem o dado: casos suspeitos aumentaram em 200% na última semana no município. O mesmo município, que na sexta a tarde confirma seu 2° caso para o novo coronavírus. Aumentou de novo, a noite caia na terça-feira, fechando o último dia de março, um mês que parecia não ter fim, mais um caso na cidade, já são três. 

Novos discursos contrários ao que todas as recomendações oficiais dizem, começam a aparecer. Falas de autoridades locais e pessoas influentes começam a me preocupar, quase no mesmo nível, da preocupação com o vírus. Apoio-me nas falas das maiores organizações, cito quase a todo  momento a Organização Mundial de Saúde, mostro dados, evidencio com fatos de outros países e depoimentos de quem passou por isso. O vírus tem a taxa de letalidade baixa, eu sei, todos sabem. Mas eu não estou disposta a perder cerca de 3% das pessoas que eu convivo. E imagino a dor de cada um dos familiares que estão vivenciando essa perda. 

Eu não tenho conhecimento laboratorial que possa trazer a cura, eu não sei fazer 0,1% do que os profissionais de saúde fazem. Mas comecei a escrever o texto para lembrar do meu discurso, no dia 6 de fevereiro, data em que eu não poderia imaginar tudo que estava a acontecer.

“O vírus tem a taxa de letalidade baixa, eu sei, todos sabem. Mas eu não estou disposta a perder cerca de 3% das pessoas que eu convivo. E imagino a dor de cada um dos familiares que estão vivenciando essa perda” 

Para que mais pessoas sobrevivam

Eu, iludida, no início da carreira, cheguei a pensar que o desafio do ano seria cobrir o carnaval em uma cidade histórica. Escrevi e escrevo para firmar a esperança de que a cada opressor discursando, haverá um colega de profissão alertando. Fazendo valer o serviço da imprensa considerado essencial em épocas de pandemia. E a minha forma de contribuir é ligar 14, 28, 210 vezes antes de passar a informação. E repetir, repetir e repetir: evitem aglomerações, não saiam de casa, têm pessoas morrendo. Você pode morrer, você pode enterrar sem velar… 

Para que isso ajude os profissionais de saúde a atenderem menos pacientes, para que faltem menos leitos, para que mais pessoas sobrevivam. A intenção é aumentar a programação jornalística com informações precisas, para que não precisemos aumentar o obituário.

#fiquemtodosemcasa

  • É jornalista em São João del-Rei.

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