Por Douglas Caputo*
Minas Gerais tem grandes sertões. Desculpem-me os nordestinos, mas já não é só deles o privilégio de um solo com calcanhar rachado.
Nas Alterosas, no entanto, a secura é viscosa. Se faltam fissuras nos pés, sobra barro nas veias dos mineiros.
Os crimes ambientais em Mariana (2015) e Brumadinho (2019) cumpriram a profecia do líder de Canudos, Antônio Conselheiro.
O sertão virou mar e o mar, sertão. Um sertão sem fim de lama que matou, pelo menos, 270 pessoas em Brumadinho e outras 19 em Mariana, segundo a EBC.
Isso sem considerar os danos ambientais. De Mariana até Regência (ES) são 600 quilômetros de rejeitos que seguem pelo Rio Doce até o litoral capixaba.
Já em Brumadinho, a carnificina sangrou 270 hectares de mata, o equivalente a cerca de 380 campos de futebol, segundo o Ibama.
Para além do cheiro triste de morte, o lamaçal criou uma terceira margem, a da incerteza de sanções judiciais contra as mineradoras Vale e Samarco.
No país das impunidades, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) fez brotar verde onde prevalecia o marrom mórbido evacuado pelas mineradoras.
A Corte decidiu que crimes ambientais não prescrevem mais. Isso quer dizer que não há um prazo determinado para representar contra danos causados ao meio ambiente.
A decisão foi tomada no último dia 17. Dos 11 ministros, três votaram contra a imprescritibilidade: Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Marco Aurélio.
A ministra Carmen Lucia não votou e Celso de Mello estava de licença. Já Roberto Barroso impôs ressalvas, que só serão conhecidas quando a tese for publicada.
Relator do texto, o ministro Alexandre de Moraes teve apoio favorável dos colegas Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Luiz Fux.
A decisão do STF não poderia ser mais oportuna, já que o rebanho avança, raivoso, em diferentes paisagens, inclusive nas urbanas.
Rei do gado
Desde que assumiu o Planalto, o mandatário Jair Bolsonaro (sem partido) tem guarnecido iniciativas de exploração e devastação da Amazônia.
A última delas foi a exoneração do diretor de proteção ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo, no último dia 13.
Ao que tudo indica, o berrante do Rei do Gado não deve parar em Azevedo. Outros dois coordenadores do Ibama podem ser marcados com o ferro da demissão.
Renê Oliveira, coordenador geral de fiscalização, e Hugo Loss, coordenador de operações de fiscalização do Ibama.
Os dois estão na linha de frente que autorizou a destruição de bens apreendidos de garimpeiros na Amazônia, conforme prevê a lei.
Motivo que teria desagradado Bolsonaro, já que o mandatário prometeu, ao longo de 2019, que não iria permitir a destruição de bens apreendidos do garimpo.
Nessa toada, Raul Seixas cantaria que podem pagar o aluguel da Amazônia, jardim do quintal, com Ouro de Tolo, já que o dólar anda nas alturas.
E se não dá para disputar com a moeda do Tio Sam, pelo menos Bolsonaro está no páreo com Trump “para ver quem pode ser o pior criminoso do planeta”.
A afirmação é do linguista americano Noam Chomsky. Em entrevista ao jornalístico Democracy Now!, o estudioso também criticou a política ambiental brasileira.
“Os artigos científicos estão dando um aviso de que, em 15 anos, a Amazônia vai deixar de ser dissipadora de carbono para se tornar emissora de CO2. Isso é devastador para o Brasil. Na verdade, para o mundo todo”, afirmou Chomsky.
A tese aprovada pelo STF, embora ainda considerada frágil por juristas, é um instrumento importante para que os crimes ambientais não caiam no esquecimento.
Pressão internacional, reviravoltas domésticas de Ministérios, desarticulação política. Será que o Rei do Gado perde o trono, cara-pálida?
Isso é pauta para um próximo artigo. Mas, se não mudar o tom, o berrante vai tocar a marcha fúnebre para uma catástrofe ambiental que deixaria o Coronavírus no chinelo.
*É jornalista, mestre em Letras e professor de redação no curso SOU1000.