

Vinicius Tobias *
Topografias
Ele e ela
é mais fácil olhar pra cidade
do que olhar pro rio
embora ela – a cidade
como ele – o rio
estejam envoltos por matas
gerando a imagem metafórica de cílios
mas por ser pontos luminosos e ter cílios
confundem-na com olhos
e acha-se que há mais dela que dele
no entanto ela é abastecida
não só fisicamente
por ele
***
O olhar ao redor
o céu é onde nada pode ser agarrado
ele muda diariamente
é azul e branco
Minas Gerais é curvado sobre o grande céu
do que se pode ver na terra, a tênue é celestial
a terra é onde as coisas permanecem e se desenvolvem
não há tanta mudança na terra, mas cada uma delas
pela sua permanência, afeta mais do que qualquer mudança do céu
é verde e marrom
as vezes algo líquido escorre com delicadeza entre suas entranhas
e vai cortando sua terra parada
Minas Gerais é a terra do infinito mar de morros.
Que sob a proteção cívica de Itamar Franco, ninguém nivelará.
Do que a água pode cortar
a cachoeira leva o sal.
há um reino não visto
que se presencia quando encontramos alguma gruta
intra-terreno, úmido, quente
nele, as plantas da terra fixam suas raízes
algo está sempre acontecendo lá, mas não nos damos conta
as maiores preciosidade da terra, heterogêneas sob a terra
Minas Gerais têm esse nome por revirar e separar o que há debaixo da terra.
separar essas riquezas é perigoso, os métodos que usamos são tóxicos
não se pode dizer o mesmo sobre os pesadelos de quem cava.
***
Por que a vaca muge?
vento de primavera
do outro lado do aterro,
O mugido da vaca
Raizan
À beira de minha varanda – bambuzal
Além do bambuzal – rodovia
Mais além do bambuzal e da rodovia
Pasto Interstícios
E nos intervalos do som
do som intermitente
dos caminhões e automóveis
Por vezes ouço o mugido
O mugido é a flor de ouro
por entre os sons de
automóveis, caminhões
cigarras e pássaros
Porque acontece pouco
Por que a vaca muge?
É um mugido suave, desinteressado
Inútil como a vida?
-Misterioso como a vida
Pois o mugido está além do além
Além da vida e do interesse
De pensamento descoberto
-a vaca passeia.
***
Saí pela porta da frente
Sim,
por ali mesmo
a mesma saída que uso
para sair e me prender
em mesquinhas burocracias sociais
[como ir em bares
nunca tinha me ocorrido
uma saída tão verdadeira
como essa que aconteceu às 19:27
pela porta da frente
É que o rosa do sol pós-posto
refletia nas nuvens largas finas
[em flocos esparsos
subi em um alto no quintal
que esvai na sórdida porta dos fundos
e quão lúgubre é olhar pela janela!
e, por fim, resolvi sair
pela porta da frente,
na rua cheia me encaravam
e se afundavam em meu olhar lunático
não reparando que a lua minguante
me iluminava com uma luz nada especial
enquanto eu fitava o horizonte
às 19:27
quando saí pela porta da frente
***
“Eu também estou aqui”
o ar a tremular-
a cada golpe da enxada
o cheiro da terra
Rankô
(cena anterior)
canto uma canção que diz torrencialmente bobagens
enquanto manejo a enxada
a capinar
e uma desproposital aglomeração de pessoas
me filma pelos seus celulares
fazendo comentários “é um lunático”
deixando a canção (ponteada pelos golpes da enxada)
inaudível
então é aí que me interpelam
pedem que eu lhes explique
minha doutrina
eu tiro meu celular do bolso
e (para evitar ser pouco redundante)
leio um discurso pré-fabricado em que desenvolvo
a idéia pasteurizada de “não fazer nada”
quando entra em cena o argumento táctil
das técnicas de cozinha da minha avó
a deslegitimar toda a filosofia alemã
(pelo menos em sua forma e conteúdo
bem como na idéia de filósofo que encena
e a língua na qual foi escrita)
algo acontece e eles acham que ouviram o nome
e a doutrina
de um outro filósofo, grego ou chinês
esses muito mais antigos
e partem para minúcias muito inteligentes
comentários muito sofisticados
todo o tipo de referência cultuada
e eu respondo “ora, eles estão aqui agora”
isso eles entendem, mas reparo que olham
suavemente para cima, ao me fitar
(25 graus acima de meus olhos)
“assim como eu”, arremato
“eu também estou aqui”
então respondem
“não é possível que esteja aqui”
“sim” digo eu “por isso me chamam de lunático”
isso desperta um processo pelo qual eles vão de vez
como se tivessem fumado, cada um, 25 gramas de haxixe
não conseguem voltar, estão longe demais
e, lunáticos, falam torrencialmente bobagens
nesse ponto penso em interpelar mais uma vez
“eu estou aqui”
mas outra coisa toma minha mente
se talvez eles aqui estivessem
se olhassem em uma linha reta para meus olhos
e pegassem uma ferramenta qualquer
estariam a falar barbaridades ao invés de bobagens
sabendo disso talvez seja melhor ir ter com eles
vou lá dentro, pego o cachimbo
e o haxixe
e vou com eles para as luas de Júpiter
***
dá-te o destro se canhoto for
mantém a faixa dos 60
“essa estrada está mal sinalizada”
“Quer saber, respondi,
toma meu egoísmo
minha inveja
doma meus monstros
vou vomitá-los todos aqui
[no tapete do seu carro
Comi um belo mexido
meus pais (graciosos) foram ao teatro essa noite
depois de rir do stand-up na TV papai ficou sério e disse:
-Lembra daquela noite que quando foste dormir
acordei eu para insônia?
Ouvi trovões a noite inteira
mas não eram trovões
um geólogo veio
deu um nome
“A grande racha de Ijaci”
talvez
Muitos trovões e arrepios.
Li uns capítulos
Totens legendários cantaram toda a Austrália
e lhe concederam existência na época do sonho
estremeço, caminho muito nos sonhos, vou aos mesmos lugares
[e os refaço
“Será que vim pra ver todo esse falso caminho ruir?
-pra cantar isso?”
Mais trovões
“E se tudo desaparecer junto com meu corpo
[nos destroços?’
Às 03h começou a chover.
***
Disseram que conheceria a vida em um planeta chamado A…
Fiquei surpreso e disse que amigos frios meus já haviam fotografado e
catalogado A… e lá não havia nada
Meu guia-santo fez uma expressão de desprezo que disse: ‘‘Você não
sabe; não imagina a vitalidade possível em A…’’ E me levou à praça
central de Ijaci donde 5 minutos depois pousou um gigantesco avião
interpenetrador. Não desconfiava que o ancoradouro dispare ficava a
tão poucos metros de minha residência e perguntei como era
desconhecido de todos o fato.
-Se olhasse, veria. – foi a resposta do Jesuíta.
-E porque não pousa no deserto?
-Guardar-se em paradoxo é como esperar carona intermunicipal
de um caminhão de areia.
Subi no avião, gostei mais do vôo do que dos habitantes dos quais
não me lembro de A…
Ah, e sim, a vida é possível em todo o lugar, até nos pensamentos
mais sórdidos, quando renascidos. Há de deixá-los morrer.
***


Autobiografia
Entre 2009 e 2019, lancei e vendi pelas cidades mineiras os seis fascículos da série de fanzines Intervenção Humana. Foi uma das experiências mais gratificantes que vivi. Afinal, lugar de poesia é na calçada! A escrita e editoração desses zines e o contato direto com o público na sua distribuição ao longo desses 10 anos representa minha formação poética. Esses livretos são caminhos na construção de um estilo.
Sou também membro fundador do coletivo Larvas Poesia, que atua desde 2010 com saraus, recitais, performances, produção de eventos além de constituir um fórum estético onde se pensa e vive a poesia.
Meus poemas tratam de buscar maneiras de fugir da onipresença opressiva da mentalidade mecanicista e recuperar a simplicidade não esculpida que caracteriza a vida.
Contato
Meus fanzines podem ser requeridos por e-mail: vinitobias00@yahoo.com.br
Clique aqui para acessar o blog Larvas Poesia.
Espaço ArteLetra
O Espaço ArteLetra é um ambiente de divulgação e circulação de produções artísticas e
literárias, em particular de produções contemporâneas nacionais. Este Espaço de exposições
tem como um dos principais objetivos apresentar projetos diversificados, incentivando a
participação de novos artistas e contemplando diferentes suportes e linguagens, que tanto
dizem da cena atual.
Uma das intenções do Espaço ArteLetra é aproximar o público de um amplo conjunto de
obras, estimulando o acesso e consumo de arte. Ao trazer essas produções para o espaço
privilegiado do Notícias Gerais, queremos suscitar novos diálogos e questões latentes da nossa sociedade, contribuindo para a formação de público e troca de experiências.
O palíndromo ArteLetra, formado pelo espelhamento quase perfeito das palavras “arte” e
“letra”, apenas ressalta a característica híbrida das produções contemporâneas, e a estreita
relação entre as artes, palavras e mídias. Esse laço é aqui uma representação das nossas
relações, da maneira como nos correspondemos, e do reconhecimento de que as
manifestações culturais nos tornam mais próximos, ainda que cada qual com seu olhar.
O Espaço ArteLetra mantém um calendário regular, sendo a cada semana um/a novo/a artista
convidado/a.
Fique antenado!!!
Deborah Castro, curadora.
arteletra.ng@gmail.com