Início Gerais Cotidiano REPRESENTANTES DA EDUCAÇÃO DEBATEM ESCOLA CÍVICO-MILITAR EM SÃO JOÃO DEL-REI

REPRESENTANTES DA EDUCAÇÃO DEBATEM ESCOLA CÍVICO-MILITAR EM SÃO JOÃO DEL-REI

Imagem: Reprodução / Facebook

Wanderson Nascimento
Notícias Gerais

Nesta quarta-feira (17/3), o Conselho Municipal de Educação e o Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação, subsede São João del-Rei, realizaram uma live no Facebook com o objetivo de debater a implantação da escola cívico-militar no município, depois de consulta realizada entre representantes da sociedade e comunidade escolar da Escola Municipal Pio XII. O debate durou mais de duas horas e teve 795 comentários até o fim da transmissão.

Participaram da reunião a presidenta do Conselho Municipal de Educação, Bruna Sola; a professora do curso de Pedagogia da UFSJ e presidenta do Sindicato de Professores da UFSJ (ADUFSJ – Seção Sindical), Maria Jaqueline de Grammont; a coordenadora da Subsede de São João del-Rei do Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação (Sind-UTE), Janaíne Ferreira; a secretária Municipal de Educação, Cíntia Leite; e a assistente educacional da Escola Municipal Pio XII, Alessandra Silva.

No dia 19 de fevereiro foi apresentada, em uma audiência pública, uma proposta para implantação do projeto de escola cívico-militar na Escola Municipal Pio XII e foi realizada uma espécie de um plebiscito, em que a maioria da comunidade escolar se mostrou favorável ao projeto. Também foi realizada uma reunião com os pais e responsáveis pela apresentação do projeto da Associação Brasileira das Escola Militares (Abemil).

A presidente do Conselho Municipal de Educação, Bruna Sola, abriu o debate, destacando, entre outros pontos, a indefinição do projeto de implantação da escola cívico-militar. “O que as pessoas estão aprovando ou não? Qual é a proposta?”, questionou, lembrando que o papel do Conselho é fazer com que a comunidade se torne ciente dessa proposta. “Esse momento mostra que nosso conselho está vivo, atento e vai observar atentamente as decisões que estão sendo tomadas e ações que estão sendo implantadas. Mais do que crises, temos um projeto de desmonte. Precisamos ficar atentos, senão o pouco de dignidade que temos, ainda vamos perder”, declarou.

Sola destacou que “a discussão ocorreu em momento inoportuno, em meio à pandemia, não permitindo um amplo debate e participação representativa suficiente dos envolvidos, sejam eles servidores, ou representantes dos alunos“.

A discussão ocorreu em momento inoportuno, em meio à pandemia, não permitindo um amplo debate e participação representativa suficiente dos envolvidos, sejam eles servidores, ou representantes dos alunos

Bruna Sola, presidente do Conselho Municipal de Educação

Maria Jaqueline de Grammont, que é professora da UFSJ e iniciou sua carreira na educação básica na rede municipal, também questionou a indefinição da proposta, que ela conheceu quando foi a Barbacena, em 2019, debater com a comunidade. “Fui buscar informações sobre esse modelo e simplesmente não há informações. Prevê apenas um militar na escola. Não tem regras, não tem definições. Vai definir também o pagamento desse militar e mais nada. Por que não existem essas informações e não tem indicações do que esse militar vai fazer na escola? Cuidar da disciplina dentro da escola, os professores cuidam, agora cuidar da violência fora da escola, aí sim os militares podem cuidar”, pondera.

Para Grammond, o recebimento de um militar representa uma desvalorização dos profissionais da educação e um projeto de sucateamento das escolas. “Um local de pluralidade de pessoas e pensamentos, que é muito diferente de um ambiente militar. Vão sucatear as escolas, diminuir cada vez mais os investimentos nas instituições e nas comunidades pobres, para onde é feita a proposta da escola cívico-militar. Por que esse projeto não é feito para as escolas de locais mais abastados? As escolas militares tem investimento igual ou superior a uma universidade, o que é muito diferente da escola cívico-militar. Estamos colocando na escola um militar para nos silenciar, silenciar a luta pela dignidade e a indignação das pessoas perante a humilhação”, observou

Estamos tirando verba da educação para um militar organizar fila de alunos? Se tivéssemos na comunidade mais condições de trabalho, lazer e cultura, precisaríamos de militares na escola? Nós só desvalorizamos o professor. Essa é uma agressão, uma violência que nenhuma categoria aceitaria.

Maria Jaqueline de Grammont, presidenta da ADUFSJ – Seção Sindical

Indignada, Jaqueline argumentou que inserção de militares nas escolas não representa maior qualidade de ensino, nem mais disciplina, que é a imagem vendida pela proposta. “A escola pública é super importante, mas nos convencem de que não é, de que nosso papel e nossa formação não é importante. Estamos tirando verba da educação para um militar organizar fila de alunos? Se tivéssemos na comunidade mais condições de trabalho, lazer e cultura, precisaríamos de militares na escola? Nós só desvalorizamos o professor. Essa é uma agressão, uma violência que nenhuma categoria aceitaria”, afirma

Para a professora, o projeto está baseado na imposição do medo. “A venda desse projeto é a disciplina. Porém, o militar irá para a escola e o aluno terá medo. Não é disciplina, não é autoridade, é imposição de medo. Não é baseado no respeito, no diálogo e no conflito. Nossa luta tem que ser pelo investimento semelhante ao que uma escola militar recebe e também por mais investimentos sócio-econômicos. É uma luta, acima de tudo, política. Os Ifets [institutos federais de ensino tecnológicos] mostraram que, com investimento, é possível ter uma qualidade de ensino público muito melhor. As escolas militares têm mais que o dobro do investimento que um Ifet, mas o desempenho dos alunos é bem parecido com os do Ifets, mostrando que precisamos de investimento em educação, não de militares nas escolas”, concluiu.

A presidenta do Sind-UTE, Janaíne Ferreira, destacou a importância da democracia na tomada das decisões, inclusive para a inserção desse projeto. “Enquanto cidadãos queremos o fortalecimento do processo democrático na nossa sociedade e a abertura dessa discussão com a comunidade. Não podemos nos fechar entre aqueles que pensam igual. O conhecimento passa pela troca, ainda que tenhamos divergências, mas que sejamos capazes de expor nossos pontos de vista”.

Ela ainda argumentou sobre a importância de se distinguir escola militar de escola cívico-militar. “A remuneração dos profissionais e a estrutura de uma escola militar, além do perfil sócio-econômico dos alunos, que é de condições muito mais abastadas, é bem diferente de uma escola cívico-militar. Minha preocupação é que, futuramente, uma demanda maior de matrículas possa criar um processo de seleção e excluir os alunos do Pio XXI, deslocando-os para outras localidades. Pelo que conheço do projeto, a parte pedagógica ficará a cargo dos professores, e gestão da escola será dos militares e vai haver gratificação para eles, que poderá ser bem maior que a de um diretor, profissional da educação, ou seja, é uma desvalorização do profissional”, disse.

A sindicalista ainda criticou a ameaça à democracia. “A estrutura militar não tem democracia e não queremos isso. Sou contra a militarização das escolas, pois nossa dificuldades extrapolam o muro das instituições; elas envolvem condições sócio-econômicas dos alunos, falta de valorização dos profissionais e falta de investimento”, observou, reforçando a opinião de Bruna Sola, de que essa proposta veio num momento muito inoportuno, em que não conseguiram discutir adequadamente, pois não foi possível reunir uma representação adequada dos pais e comunidade presencialmente para discutir o assunto. Segundo ela, a escola possui cerca de 500 alunos e apenas 81 pais participaram da consulta.

A estrutura militar não tem democracia e não queremos isso. Sou contra a militarização das escolas, pois nossa dificuldades extrapolam o muro das instituições; elas envolvem condições sócio-econômicas dos alunos, falta de valorização dos profissionais e falta de investimento

Janaine Ferreira, coordenadora do Sind-UTE

Opiniões favoráveis

A secretária de educação do município, Cíntia Leite, ponderou a favor do projeto, afirmando que a escola não vai perder sua identidade e que se trata ainda de uma proposta que deverá passar pela Câmara de Vereadores. Cíntia também rebateu os argumentos contrários de Jaqueline e Bruna. “Ainda não foi promulgada a lei. Estamos ainda num processo de discussão da proposta. Não é perfil da nossa gestão tentar ou sucatear a nossa escola. Pelo contrário, não vamos aderir a qualquer projeto para prejudicar nossa escola. Nesse momento, não existe a mínima possibilidade de fazer com que nosso corpo profissional se torne refém desse projeto de escola cívico-militar. Em momento algum se fará uma escravização dos nossos profissionais. A proposta está sendo estudada, a minuta ainda não foi para a Câmara”, rebateu.

De acordo com a secretária, foi feita a consulta pública aos responsáveis pelos alunos e o resultado foi favorável com 81,6%. Com os profissionais da escola chegou a mais de 54,1% a favor. “Não estamos aqui para poder colocar nossa escola numa situação de risco. Temos sim uma responsabilidade muito grande. Quando chega uma proposta, não quer dizer que será imediatamente concluída. Não somos e não seremos manipulados. Não seremos irresponsáveis de encaminhar um projeto sem ler e opinar. Vamos agregar em favor da escola e do município. O professor continuará tendo sua autoridade dentro da sala”, garantiu.

“Não estamos aqui para poder colocar nossa escola numa situação de risco. Temos sim uma responsabilidade muito grande. Quando chega uma proposta, não quer dizer que será imediatamente concluída. Não somos e não seremos manipulados. Não seremos irresponsáveis de encaminhar um projeto sem ler e opinar.

Cíntia Leite, Secretária de Educação de São João del-Rei

A secretária declarou que o número de alunos cadastrados na escola até cresceu depois da possibilidade de se ter o projeto da escola cívico-militar na instituição e destacou que o debate foi realizado de forma democrática. “A Abemil encaminhou a proposta baseada no que foi apresentado no Teatro Municipal. Houve também outro momento, quando a própria escola solicitou essa conversa, quando houve perguntas e esclarecimento de dúvidas. É isso que estamos fazendo e colocando no papel, para chegar a um denominador comum. Toda a parte que é da educação, da escola, nós vamos alinhar. Não vamos perder essa identidade da escola. Vocês têm que entender que ainda vão lançar uma proposta que nós ainda vamos alinhar. É por isso que ainda não foi passada para o conselho e para a Câmara. Se for aprovado e nós percebermos que não estiver dando certo, nós extinguimos. Nossa responsabilidade é muito grande. Quando foi lançada a proposta para a escola, ela já havia fomentado esse debate com os responsáveis e os profissionais”, concluiu.

Alessandra Silva, que é servidora da escola, também argumentou que não está havendo manipulação alguma para aprovação do projeto e que o processo foi democrático. “Não estamos sendo manipulados. Somos independentes para dialogarmos. Houve a consulta no Teatro Municipal, depois teve com nós, funcionários. Ficaram algumas dúvidas para serem esclarecidas. Assim como os pais, a gente precisa de mais informações. Mas a dúvida será tirada através desse projeto que irá para a Câmara. Eu tenho 17 anos de Pio XII. Não queremos uma coisa que vá nos prejudicar e prejudicar nossos filhos. Nós sempre brigamos por querer sempre o melhor para nossa escola. Estamos num processo de debate. Os pais estão almejando ansiosamente a aprovação desse projeto. Após a reunião, ficamos só nós funcionários, debatendo, dando suas opiniões a favor ou contra, respeitando as opiniões”, atestou.

A servidora ainda explica em partes como seria a proposta. “O projeto da escola cívico-militar está sendo muito bem-vindo pela comunidade na questão da disciplina, que seria receber os alunos, colocá-los em filas e fazendo outras ações disciplinares, o que seria um ponto positivo que a maioria das pessoas aceitaram. Quando dá 7 horas, o professor estará pronto, com os alunos em fila, para começar o seu trabalho, que é lecionar. Se tiver alguma coisa que desagrade nessa minuta, é óbvio que vamos dar a nossa opinião. Até o momento, de tudo que ouvi, eu sou favorável. Acho que vem a acrescentar à disciplina da nossa escola. Não tenho problema nenhum com a presença de militares na nossa escola, na área externa. Não irão influenciar na gestão e nas questões pedagógicas. Na acho que vão manipular e influenciar até na opinião crítica dos alunos”.

Questionada sobre a escolha da Escola Pio XII, ela explicou que teria que ser uma escola com Ensino Fundamental I e II e ter algumas características de estrutura física também. “Vamos conhecer melhor com essa minuta que está vindo, para confirmar ou não nossa opinião. A assembleia presencial no Teatro foi amplamente divulgada e publicamos em nossas redes sociais. Foi permitida a participação de 150 pessoas e não foram preenchidas todas as vagas. Foi feita de forma transparente a consulta, dando a opção de sim ou não, mas ainda estamos buscando mais respostas”, encerra.

Até o momento, de tudo que ouvi, eu sou favorável. Acho que vem acrescentar à disciplina da nossa escola. Não tenho problema nenhum com a presença de militares na nossa escola, na área externa. Não irão influenciar na gestão e nas questões pedagógicas. Na acho que vão manipular e influenciar até na opinião crítica dos alunos

Alessandra Silva, assistente educacional

Comentários

Dos quase 800 comentários feitos pelo público que assistiu ao debate, a maioria esmagadora foi contra a implantação do projeto de escola cívico-militar. Confira, abaixo, alguns exemplos de comentários contrários e favoráveis.

“Como alguém aceita uma proposta que não conhece? Eu como mãe de aluna, na pesquisa disse que gostaria de saber como funciona a escola cívico militar, antes de dizer sim ou não.”

“Quer uma escola melhor dê melhor subsídio aos professores e valorizem o suficiente para que façam um trabalho de melhor qualidade.”

“Militarização não é educação. A função do militar é o braço armado, a do professor é a do abraço ao conhecimento.”

“Na MILITARIZAÇÃO: Alun@s não são ensinad@s a dar valor aos seus direitos, garantias e liberdades às quais têm ou deveriam ter acesso.”

“Não acho ditadura nenhuma, pq ficou muito bem esclarecido se for aprovado a passar ser cívico militar, fica lá quem quer, quem não quiser ser transferido para outra escola.”

O debate foi gravado e está disponível neste link.

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