Início Gerais Cotidiano TIRADENTES DESCARTA LIXO EM SANTA CRUZ DE MINAS E ESCANCARA CRISE NA...

TIRADENTES DESCARTA LIXO EM SANTA CRUZ DE MINAS E ESCANCARA CRISE NA DESTINAÇÃO DOS RESÍDUOS

O descarte irregular de lixo foi flagrado pela Prefeitura de Santa Cruz de Minas, a partir de denúncias de moradores do município (Imagem: Prefeitura de Santa Cruz de Minas)

Daniela Mendes
Especial para o Notícias Gerais

Imagine se você flagrasse seu vizinho jogando o lixo produzido na casa dele no quintal da sua casa. Agora, pense que isso aconteceu com a cidade de Santa Cruz de Minas. Na quinta passada (5), moradores perceberam o despejo irregular em um terreno de um frigorífico abandonado. Revoltados, acionaram a prefeitura e descobriram que eram rejeitos de Tiradentes.

A prefeita de Santa Cruz de Minas, Sinara Campos (sem partido), disse que recebeu a denúncia pela manhã por parte dos moradores. Eles contaram que alguém tinha despejado lixo no antigo frigorífico, na Estrada Real que liga Tiradentes a Santa Cruz. “E quando foi no período da tarde as pessoas se mobilizaram e nos falaram que, na verdade, era a Prefeitura de Tiradentes que estava com o caminhão de lixo para poder despejar aqui no município”, relatou. 

Já que o lixo não tinha autorização legal ou termo de cooperação e estava em local indevido, a Prefeitura de Santa Cruz de Minas chamou a Polícia Militar e Ambiental. Com muita repercussão nas redes sociais, de tiradentinos envergonhados e moradores de Santa Cruz de Minas revoltados, providências foram tomadas rapidamente para que o material despejado fosse retirado de lá e encontrasse um novo destino. No mesmo dia, a Prefeitura de Tiradentes retirou o lixo, fez um pedido de desculpas e se justificou.

A Prefeitura de Santa Cruz de Minas escancarou o problema. (Imagem: Redes sociais)

Chuvas e lixo 

O prefeito de Tiradentes, Zé Antônio do Pacu (PSDB), assumiu o erro. Ele explicou, contudo, que o acontecido foi um mal entendido. Devido às chuvas que ocorreram nos últimos meses, o transbordo não estava conseguindo chegar ao local de armazenamento na usina de separação de lixo, no bairro Alto da Torre.

Um dia antes, na quarta (4), o prefeito disse ainda que foi avisado pela Terrasa, firma responsável pelo transporte do lixo na cidade, que um terreno havia sido alugado para o armazenamento provisório. 

Zé Antônio também disse que a Secretaria do Meio Ambiente estava ciente da operação, mas que ele não observou os detalhes. “Eu, naquela correria, naquela pressa, nem fiquei sabendo onde era. Achei que era a zona rural de Tiradentes. E fui surpreendido meio dia com a ligação da Sinara [prefeita], dizendo que [o lixo] estava em Santa Cruz de Minas”, relatou.

Contudo, por meio da assessoria, o superintendente de Meio Ambiente, Richard Marcel Júnior, disse que a Secretaria não tinha conhecimento da ação. E o secretário de Administração afirmou que o material rejeitado de Tiradentes tomou, após as denúncias de Santa Cruz de Minas, seu destino habitual. O mesmo que o prefeito justificou como inacessível, ou seja, a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis. 

Denúncias pipocam nas redes sociais. (Imagem: Redes sociais)

Denúncias e cobranças 

Contudo, várias denúncias têm sido constantes nas redes sociais há algum tempo em Tiradentes. Moradores fazem reclamações em relação à coleta com histórias de acúmulo de sujeira nas ruas, proliferação de pestes e acusações de negligência em Tiradentes meio a muitas controvérsias.

Por isso, na terça (3), o assunto do lixo ocupou a maior parte do tempo da reunião ordinária da Câmara Municipal da cidade turística. Em nome dos condôminos, que moram ao lado da usina de separação de lixo, o morador que se identificou como Agnaldo ironizou: “É o único condomínio no Brasil que ganha de presente, ao invés de uma piscina, uma área de playground ou uma praça, ganha um lixão”

Outra moradora, Daiana, fez um relato emocionado para os políticos: “Eu tenho uma menina de cinco anos e outra de um ano. Lá em casa aparece rato, aparece cobra, aparece aranha. Mosquito: minha menina não consegue nem dormir, fica posando. Porque eu moro do lado, bem perto”.

Mas o problema não se restringe aos vizinhos da área de descarte. A Associação Empresarial de Tiradentes (Asset) formou uma comissão só para tratar da questão do destino do lixo na cidade. A representante deste grupo, a empresária Ana Carolina Barbosa, também se manifestou na reunião ordinária da Câmara. 

Ela afirma que foram protocolados diversos ofícios cobrando uma solução do município em relação à coleta, coleta seletiva e destinação dos resíduos sólidos. “Mesmo depois de diversos ofícios e reuniões, não obtivemos êxito. Quando a prefeitura respondia não havia uma solução efetiva, que fosse satisfatória”, relata a empresária. Assim, decidiu-se fazer uma manifestação junto ao Ministério Público Estadual pontuando os fatos que aconteceram durante o tempo em que o problema se agravou.

O lixo e o turismo

Desde que a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos foi sancionada, a solução encontrada pela gestão anterior (2013 – 2016) da Prefeitura de Tiradentes foi levar o lixo para a empresa de tratamento Vital Engenharia Ambiental, em Juiz de Fora. Calculou-se, com base na população de aproximadamente sete mil habitantes, quatro containers de cerca  de vinte toneladas por mês. Este serviço custaria R$2 mil por ida, ou seja, R$8 mil por mês, para um total de quatro containers. 

Política Nacional de Resíduos Sólidos

A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (nº 12.305, de 2 de agosto de 2010) prevê que as prefeituras que não se adequarem poderão ser multadas de R$ 5 mil a R$ 5 milhões de reais, além de terem que responder a processo por crime ambiental e prisão do administrador público. Trata-se de uma série de obrigações, como a troca de lixões por aterros sanitários e a implantação da logística reversa e da coleta seletiva.

Ao fazer isso, o prefeito da época, Ralph Justino, esperava ter um retorno do ICMS ecológico. Trata-se de um mecanismo tributário que favorece os municípios com parcelas maiores dos recursos financeiros arrecadados pelos Estados através do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) quando suas atividades econômicas estão em acordo com a preservação do meio ambiente. A Prefeitura esperava receber cerca de R$ 12 mil reais de retorno com o plano.

Contudo, o volume do lixo de Tiradentes é bem maior do que o calculado por número de habitantes. De uma previsão de quatro containers por mês, virou oito por semana, em função do alto fluxo de turistas e eventos na cidade. Um gasto de mais de R$ 30 mil por mês. 

Para agravar mais a situação, depois de quatro meses do acordo com a empresa que ia fazer o transporte, a Sisuka, a Prefeitura descobriu que esta havia perdido a licença de operação. E, por isso, o ICMS não pôde ser recebido. Ficou deste empreendimento, uma dívida de R$ 80 mil reais e o descarte teve que voltar ao lixão, no bairro Cuiabá.

Pra inglês ver: na propaganda oficial, o problema do lixo aparece solucionado. (Imagem: Redes Sociais)

Lixo zero

Ainda  durante a administração passada, foi criada a Associação Tiradentes Lixo Zero, em dezembro de 2016, e a Cooperativa Tiradentes Recicla, em abril de 2017, já na atual administração. As duas trabalhavam em conjunto e em um ano, destinaram mais de 160 toneladas de material reciclável. Empenho que mereceu o prêmio Hugo Werneck de Sustentabilidade e Amor à Natureza, categoria Destaque Municipal 2017, promovido pela Revista Ecológico e pela Fundação Dom Cabral.

Em paralelo, a atual administração desenvolveu um projeto de investimento em um biodigestor no lugar do lixão no bairro Cuiabá. Trata-se de um sistema de digestão anaeróbica do lixo orgânico através da atividade de bactérias. A área também seria um aterro sanitário, que é o local destinado à decomposição final de resíduos sólidos gerados pela comunidade. Os dois aliados a reciclagem iriam promover o beneficiamento e venda do lixo reaproveitado.

As moscas

O projeto Lixo Zero não teve continuidade. E depois de três anos começou a surgir na cidade reclamações de pestes e moscas. Houve uma desconfiança geral de que o problema estava vindo do biodigestor. “A Asset tentou visitar o local e foi impedida. Eu também fui impedido”, disse Justino, que hoje é presidente do Instituto Vertentes. “Fiquei sabendo há dois meses atrás que o biodigestor não funcionou. Algumas obras chegaram a ser realizadas, mas o projeto não foi para frente depois de um gasto de 47 mil por mês em três anos”.

A empresa JodiTec.Eco, de Belo Horizonte, era a responsável pela operalização do biodigestor. E embora a Prefeitura tenha dito nas redes sociais e na imprensa local que as atividades tinham começado, o biodigestor não funcionou e o contrato com a empresa foi suspenso por falta de documentação regular. Com isso, o lixo passou a ir todo, seco e molhado, para usina da cooperativa de coleta seletiva. O que, pela pequena distância com a área urbana, torna a usina da cooperativa irregular, já que foi criada só para receber lixo seco e separar o material reciclável. Ficou o desafio para a comunidade descobrir uma maneira de tratar o seu lixo.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui