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COLUNA PRÓXIMA TENDÊNCIA: O LADO TÓXICO DA MODA

Kendall Jenner, Gigi Hadid e outras angels da Victoria’s Secret durante o Fashion Show de 2018.
Imagem: Getty Images

Carol Oliveira e Lucas Assunção *

Se a moda fosse uma pessoa, e eu pudesse dar só um conselho para ela, daria dois tapinhas no seu ombro e falaria com toda certeza do mundo: amiga, você precisa de terapia. Ano passado, emagreci cerca de 10 kg por alguns problemas emocionais e, mesmo que a minha saúde estivesse péssima, percebi o privilégio que eu ainda tinha perto das pessoas que engordam, ouvindo comentários do tipo “nossa, agora sim você está linda, parece uma modelo”.

Chorei algumas vezes em provadores de lojas por ter dificuldade de aceitar meu novo eu, mas sempre achava roupas que me coubessem. Me olhava no espelho e não me sentia satisfeita, mas os convites para desfilar continuavam a surgir. Como já dizia Beyoncé na letra de Pretty Hurts, “a Vogue diz que magra é a mulher perfeita”. Que o mundo da moda pode ser bem tóxico, não é novidade. Mas quando foi que passamos a idolatrar essas pessoas e conceitos como ideais?

Nos últimos meses, a moda viu-se virada de cabeça para baixo com diversas denúncias de abuso de poder, racismo e outras opressões sociais dentro da indústria, desde personalidades brasileiras até a própria Anna Wintour, considerada a grande matriarca da moda mundial. Não é novidade para ninguém a imagem de que as pessoas desse universo são metidas, grossas e que é um ramo mais fechado e difícil de se entrar.

Qualquer pessoa que já viu O Diabo Veste Prada percebe o quanto a figura tóxica de Miranda Priestly (não à toa, inspirada em Anna Wintour) é glamourizada e tida como o lugar que todos queremos chegar. Por que nós relacionamos poder e sucesso profissional com destratar funcionários? As pessoas ganham ou perdem valor como seres humanos de acordo com sua posição hierárquica?

Hari Nef na capa da Elle Brasil Fevereiro 2017. Imagem: Mariana Maltoni

O que parece existir é um tipo de ciclo vicioso: quanto mais poder essas pessoas adquirem, mais são cultuadas, mais as pessoas dependem dessas figuras e torna-se cada vez mais difícil de tirá-las de papéis centrais no mundo da moda. Sem contar, é claro, que esses comportamentos tóxicos, frequentemente vêm associados de opressões sociais. Porque essas pessoas não estão empenhadas em quebrar as estruturas sociais e opressoras que são, direta ou indiretamente, o motivo delas estarem onde elas estão e é a manutenção delas que as mantém em seus pódios.

Como exemplo, temos o Victoria’s Secret Fashion show que ano passado, pela primeira vez desde sua criação nos anos 1990, cancelou seu desfile. Evento anual que reunia um forte elenco de modelos (como as brasileiras Gisele Bundchen, Alessandra Ambrosio e Adriana Lima) unidos à performances musicais para apresentar a nova coleção, relutou em insistir no seu casting sempre igual (com modelos altas e magras). Porém, em um momento que o body positive vêm sendo tão discutido, o público não perdoou: os espectadores caíram de 9,7 milhões de pessoas (2013) para 3,3 milhões (2018).

Continuo batendo na tecla de que a moda é, ou ao menos deveria ser, uma forma de se expressar, de individualidade e autenticidade. O problema, para além de roupas produzidas em série sempre para o mesmo tipo de corpo e a responsabilidade dos veículos de comunicação em criar padrões estéticos de beleza determinando alguns corpos como “saudáveis” e outros não, são as pessoas inseridas nessa indústria que insistem nesse marketing antiquado e  principalmente na mentalidade ultrapassada.

Com bem colocado pela modelo transexual Hari Nef, “diversidade é diferente de inclusão. Inclusão é colocar as minorias na conta. Acrescentar alguns modelos “diferentes” só para manter integridade ideológica da marca frente aos seus clientes. Diversidade é fazer disso uma prática constante”. Diante da dificuldade que alguns grandes nomes enfrentam em desapegar-se de antigos valores, contamos com o senso crítico e criatividade de novos designers que engajem seu público e façam com que eles sejam voz ativa de seus processos. Hoje, a moda está muito além das passarelas – e a dona do melhor catwalk será da marca que entender isso genuinamente.

* Carol Oliveira é jornalista meio perdida e meio achada no universo da moda, dos games e da música. Comunicadora e comunicativa, é perigoso um dia acabar conversando com as paredes. São-joanense, amante de um bom café com pão de queijo e uma prosa, traduz sua visão de mundo por meio das palavras e do audiovisual. Escreve no Notícias Gerais às quartas, de 15 em 15 dias, e escreveu este texto em parceria com Lucas Assunção, publicitário, comunicador e idealizador do Santo de Casa. Contato: calithemermaid@gmail.com

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