Carol Oliveira e Hanna Alvarenga*
“Pantanal teve 14% do bioma queimado apenas em setembro e área devastada já é recorde histórico”, diz o Inpe. Decidi começar a minha coluna dessa semana com esse título de uma matéria publicada pelo G1 para trazer uma reflexão sobre fios. Não os fios visíveis presentes na indústria têxtil, mas os invisíveis que nos ligam a partir de nossas ações. “99% do fogo foi creditado à ação humana”, a matéria continua.
Se você procurar “indústria da moda e impacto ambiental”, não vai ter muita dificuldade em achar números, dados, comprovações que serão capazes de ligar um alerta vermelho imediatamente na sua cabeça. E os fios ficam tão visíveis que se tornam incômodos ao revelarem um nó em cada ponta – a que seguramos firme na mão e, a outra que achamos não ter tanto controle assim, que são as consequências de toda uma cadeia que fazemos parte.
Stella McCartney fez muito bem o que estou tentando dizer aqui. No seu desfile de inverno, em março deste ano, a estilista surpreendeu os convidados ao colocar dois coelhos, uma raposa, um cavalo, duas vacas e um crocodilo entre uma modelo e outra.
A marca, que se declara cruelty-free desde 2001, fez um apelo contra o uso de pele animal no mundo da moda. Mas, ainda foi além: na entrada, os personagens perguntavam para cada pessoa se elas eram amigas do animais, com a resposta positiva eles questionavam se a pessoa come carne. Com um “sim” o convidado ouvia: “Então você não é amigo dos animais”.
Mais recentemente, no dia 28 de setembro, uma manifestante invadiu o desfile da Dior na Semana de Moda de Paris com um cartaz amarelo dizendo: “Somos todos vítimas da moda”. A ideia do protesto era relacionar o consumo da moda e a indústria do setor em si com seu impacto no meio ambiente, e o Extinction Rebellion — grupo ativista contra as mudanças climáticas que prega o boicote à moda — assumiu a autoria do protesto.
Muito além de apoiar manifestações e comprar roupas em brechós, devemos aproveitar a era da informação para realmente chegar no outro nó do fio que seguramos. A verdade é que sim, podemos e devemos fazer muito mais do que já estamos.
A culpa de todo esse cenário catastrófico não pode ser atribuída somente a um pilar. Nossos hábitos de consumo são cíclicos e as tendências vêm e vão em um piscar de olhos, criando uma necessidade de consumo desenfreada. Se a necessidade de consumo é alta e possui demanda, a produção vai pelo mesmo caminho. E depois? Para onde vão os gases liberados? O lixo que sobra? Os corantes usados? Quanto de água é utilizado? E isso tudo para que?
A vida útil da peça caiu e, talvez, nem por má qualidade, mas porque o ciclo de tendências faz com que ela fique “over” e eu, você e todos nós descartemos sem o menor sinal de arrependimento. Que futuro há para nós em um mundo com os oceanos poluídos, os lençóis freáticos contaminados, os animais morrendo intoxicados ou sendo mortos para suprir o ego do ser humano? A resposta é: não há. Enquanto parecem surgir alguns designers que se preocupam com uma moda mais lenta e ecológica, as grandes redes de fast fashion continuam faturando a partir da exploração de mão de obra e ignorando o que aprendemos desde a pré-escola: o planeta é a nossa casa.
Em tempo, vale a reflexão acerca desses problemas que poderiam ser ao menos minimizados dentro de uma sociedade que produz exacerbadamente. Acredito que a moda, em sua mais bela essência, deve ser sobre liberdade, futuro, história, celebração do eu e beleza. É preciso cuidado ao caminhar por essa passarela que, em alguns momentos, exibe um desfile de horrores a céu aberto. Na corda bamba que são nossas escolhas e seus impactos, uma coisa é certa, não somos mais apenas espectadores.
* Carol Oliveira é jornalista, meio perdida e meio achada no universo da moda, dos games e da música. Comunicadora e comunicativa, é perigoso um dia acabar conversando com as paredes. São-joanense, amante de um bom café com pão de queijo e uma prosa, traduz sua visão de mundo por meio das palavras e do audiovisual. Escreve a coluna Próxima Tendência no Notícias Gerais às quartas, de 15 em 15 dias. Hanna Alvarenga é estudante de jornalismo e idealizadora do Glitteratih