Kamila Amaral
Notícias Gerais
Nesta segunda (17) é celebrado o Dia Municipal contra a LGBTQIA+fobia em São João del-Rei. A data foi instituída pela Câmara de Vereadores ainda em 2010. De lá para cá, apesar do preconceito ainda persistir, diversos avanços foram feitos em relação à luta da comunidade pela igualdade de direitos.
Na semana passada, a União foi condenada pela Justiça Federal de São Paulo a pagar R$ 200 mil, em danos morais coletivos, devido a falas homofóbicas proferidas pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, em entrevista realizada em setembro de 2020. Na ocasião, o ministro afirmou que gays são fruto de “famílias desajustadas”.
Também devido propagação de discurso homofóbico, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação cívil contra a pastora Ana Paula Valadão e a Rede Super de Televisão. O caso é de 2016, quando, durante um culto transmitido pela emissora, a pastora declarou que a homossexualidade não é normal e que “taí (sic.) a Aids para mostrar que a união sexual entre dois homens causa uma enfermidade que leva à morte, contamina as mulheres, enfim… Não é o ideal de Deus”.
Além da homofobia, o inquérito aponta também a sorofobia – preconceito e discriminação contra pessoas que convivem com o HIV – presentes no discurso. Caracterizando a fala da pastora como “discurso de ódio”, o MPF salienta que resta ao Estado “ o dever de proteger as vítimas e responsabilizar os infratores, de maneira que essa atuação é ainda mais necessária no atual cenário brasileiro, em que a homofobia e a sorofobia encontram-se tão presentes e multiplicam-se casos de ódio e intolerância”.
LGBTQIA+fobia
O presidente do Movimento Gay da Região das Vertentes (MGRV), Fabiano Freitas, afirma que discursos como esses, realizados por pessoas públicas e transmitidos em uma rede de televisão, só fazem com que se alimente o preconceito e deixe a comunidade LGBTQIA+ e as pessoas que convivem com o HIV ainda mais vulneráveis.
Ele ressalta também que ninguém deve ter sua orientação – assim como sua religião – contestada. No entanto, aponta que a diferença é que, no quesito religioso, trata-se de uma questão de escolha; já quanto a orientação sexual, não.
“Atitudes como essa podem, sem dúvida alguma, levar muitas pessoas que são gays ao suicídio, por exemplo, por ver que ‘eles não seguem’, como diz a pastora, ‘a vontade de Deus’, podendo gerar também atos de ódio, agressão física, verbal e outras”, comenta Freitas.
A vice-presidente do movimento, Thaís Marques, defende que a pastora foi antiquada em sua colocação e ainda reforçou estereótipos que a comunidade LGBTQIA+ vem há anos tentando reverter. “Uma pessoa do ‘porte’ dela, a gente tem ciência de que ela tem acesso a informação (…) ela reforçar argumentos tão retrógrados, tão desmistificados pela ciência, e socialmente também, atingem a comunidade no sentido de continuar a lutar contra esse preconceito”, destaca.
Os representantes do MGRV sinalizam também sobre a importância de ações legais, como a do MPF, contra esses discursos preconceituosos – uma vez que, além da homofobia ser crime e, portanto, precisar ser combatida legalmente, dá visibilidade à causa LGBTQIA+ e protege a comunidade em casos semelhantes.
“Essa decisão do MPF é um exemplo de um contraponto social (…) e, principalmente, é um recado de que não cabe mais na nossa sociedade você ter uma atitude totalmente preconceituosa, homofóbica, que atinge social e psicologicamente, várias outras pessoas e ficar por isso mesmo”, diz Marques.
Sorofobia
A enfermeira, professora e pesquisadora Lilian do Nascimento explica que falar das infecções sexualmente transmissíveis de forma clara e sem preconceitos permite um alcance maior sobre as pessoas, independente de faixa etária, gênero, raça e condições sócio-econômicas. Isso possibilita, segundo ela, o esclarecimento de dúvidas, a diminuição de possíveis mitos e estereótipos em relação a essas infecções e – de modo geral – possibilita a transmissão informações de caráter científico sobre prevenção, tratamento e diagnósticos destas infecções sem “entraves”.
“Ao longo dos anos, a política pública de saúde e direitos da pessoa portadora, (bem como) o olhar sobre o diagnóstico, prevenção e tratamento do HIV apresentaram muitos avanços. Mediante a isto, é inconcebível e inaceitável nos dias atuais percepções rotuladoras sobre possíveis portadores”, frisa.
Em São João del-Rei, o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) atua na prevenção, diagnóstico e tratamento das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Maria Teresa Senra, psicóloga do CTA, explica que o HIV é o vírus da imunodeficiência humana, causador da Aids. No entanto, ela esclarece que não necessariamente quem tem o vírus desenvolve a doença.
“Essas pessoas podem passar anos sem apresentar qualquer sintoma, mas elas transmitem: é importante a gente falar isso – (muitas vezes), elas não sabem que têm o vírus e transmitem para outras pessoas pelas relações sexuais desprotegidas”, aponta Senra. Esse é um dos motivos pelo qual o diagnóstico precoce é essencial, além disso, ele é de suma importância já que aumenta a expectativa de vida do paciente em caso de desenvolvimento da doença.
A psicóloga aponta que o preconceito atrapalha esse diagnóstico, já que a testagem é feita de maneira rápida, segura e gratuita – portanto, sem nenhuma dificuldade técnica.
“O que eu acredito que seja de maior dificuldade quanto ao diagnóstico vem da própria pessoa, porque, por existir ainda esse estigma e preconceito, dificulta muito o enfrentamento do HIV”, pontua a psicóloga.
A transmissão do HIV pode ocorrer também pelo compartilhamento de seringas ou de instrumentos cortantes ou perfurantes que não foram devidamente esterilizados e também de mãe infectada para filho, seja durante o parto ou amamentação.
Também integrante do Centro de Testagem e Aconselhamento, a farmacêutica Etusa Braga sinaliza que, segundo dados do Boletim Epidemiológico HIV/AIDS – 2020 do Ministério da Saúde, os casos de infecção pelo HIV registrados no Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) de 2007 a junho de 2020, em indivíduos maiores de 13 anos de idade, mostra que entre os homens, verificou-se que 51,6% dos casos foram decorrentes de exposição homossexual ou bissexual e 31,3% heterossexual, enquanto 1,9% se deram entre usuários de drogas injetáveis (UDI). Entre as mulheres, nota-se que 86,6% dos casos se inserem na categoria de exposição heterossexual e 1,3% na de UDI.
“O que se torna importante nesse sentido é promover acesso das populações-chave e prioritárias a todo o aparato disponível de prevenção e tratamento, ampliando mecanismos de inclusão”, confirma a farmacêutica.
Movimento regional busca reorganização
O Movimento Gay da Região das Vertentes (MGRV) é uma organização não governamental sem fins lucrativos que luta pelos direitos da comunidade LGBTQIA+ e humanos, oferecendo aos usuários e a comunidade auxílios psicológicos, jurídicos, cursos profissionalizantes e outros.
A iniciativa surgiu a partir de uma agressão sofrida por um membro da comunidade, em São João del-Rei. Diante da indignação com o caso e com a falta de apoio e amparo existente na cidade, a ONG foi criada para dar suporte à comunidade e diversas outras minorias.
No entanto, devido a pandemia da Covid-19, o movimento está com a maioria de suas atividades suspensas e espera contar com a ajuda de voluntários para poder se reorganizar e poder retomar as atividades, agora em formato remoto.
Os interessados podem entrar em contato com o movimento através do Facebook ou Instagram.