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CRÍTICA: MARE OF EASTTOWN É O PROFUNDO DISFARÇADO DE CLICHÊ

Imagem: Michele K. Short/HBO – reprodução

Guilherme Martins *

Em 1990, ia ao ar o primeiro episódio de Twin Peaks. Pela primeira vez de forma serializada, a trama que acompanhou a investigação do assassinato de uma adolescente, apresentou arquétipos que ainda seriam constantes na televisão mais de trinta anos desde sua estreia. Mare of Easttown, nova minissérie da HBO, parece seguir à risca a cartilha estabelecida por David Lynch: quando uma jovem é encontrada brutalmente morta às margens de um rio, uma pequena comunidade da Filadélfia vira cenário de uma intensa investigação encabeçada pela rebelde e não tão bem-quista detetive Mare Sheeran, brilhantemente interpretada por Kate Winslet.

Todos os ingredientes da receita estão lá, desde os personagens dúbios até a direção de fotografia densa e trilha sonora marcante. Acontece que, enquanto a obra noventista também adotava linhas sobrenaturais a fim de ressaltar sua singularidade, Easttown mantém os pés no chão em um estudo de personagem profundamente detalhado. Assim, a excentricidade e o surrealismo de Lynch são deixados de lado, e o realismo toma a frente enquanto subverte os clichês do gênero, aproximando-se muito mais de The Killing — outra produção que também bebeu desta fonte.

A medida que desdobramentos da série são revelados nos primeiros dois episódios, já fica possível notar que o crime serve à trama apenas como um pontapé inicial do retrato melancólico das personagens femininas e como elas são sufocadas pela violência velada e pela angústia, lutando para escapar de um destino ao qual estão fadadas.

Mesmo com um total de apenas sete capítulos, a série ainda consegue se aprofundar em cada linha de roteiro que se propõe. Enquanto a direção de Craig Zobel (A Caçada) é eficiente ao transferir para a tela a sensação de dor e luto, prezando pela sutileza e livre da glorificação do sofrimento, o roteiro de Brad Ingelsby assume o difícil papel de explorar as multicamadas de figuras complexas, proporcionando a todos do elenco a chance de brilhar.

Winslet como a personagem-título não só faz parecer fácil a troca do sotaque britânico pelo filadelfiano, como também entrega a melhor performance de sua carreira, um feito incrível para a vencedora do Oscar, que conta no currículo grandes produções como Titanic (1997) e O Leitor (2008). O elenco de apoio também não deixa a desejar: a sempre ótima Jean Smart faz mais um adendo à uma recente leva de papéis expressivos na televisão, enquanto Julianne Nicholson é dada a chance de mostrar seu talento a um público que não acompanha sua carreira no cinema indie. No entanto, é Evan Peters que, pela primeira vez em uma série não produzida por Ryan Murphy, realmente surpreende ao ser desafiado com um personagem diferente dos de seus trabalhos anteriores.

Se todos os arquétipos e características de uma trama “quem matou?” apresentados por Twin Peaks perderam força conforme as suas inúmeras tentativas de replicação, tendo funcionado apenas pouquíssimas vezes como em True Detective e Broadchurch, então Mare of Easttown é, em suma, a desmistificação do clichê a favor do profundo, da realidade e da atmosfera.

★★★★

MARE OF EASTTOWN (2021)
Direção: Craig Zobel
Roteiro: Brad Ingelsby
Estrelando: Kate Winslet, Jean Smart, Julianne Nicholson, Evan Peters, Guy Pearce
Disponível em: HBO/HBO Max

* É estudante de Comunicação – Jornalismo da UFSJ e produziu este texto sob a orientação do professor Paulo Caetano, durante a disciplina remota de Produção Textual.

Os artigos de opinião e colunas publicados não refletem necessariamente a opinião do portal Notícias Gerais.

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