Início Opinião CRÔNICA: BIBI E O FEITIÇO DO BISCOITO DE POLVILHO FRITO

CRÔNICA: BIBI E O FEITIÇO DO BISCOITO DE POLVILHO FRITO

André Frigo*

Bibi era uma pessoa especial para nossa família. Neta de escravos, cresceu na casa do meu avô José Teodoro. Ajudou a criar minha mãe, saiu para o mundo, trabalhou em Belo Horizonte e voltou para se integrar de vez na nossa vida. Eu e meus irmãos sempre a vimos como a terceira vó. E era uma vó cheia de energia, cujas pernas magras pareciam nunca cansarem. Andava para todo lado, desconhecia o que era pegar um ônibus. Só foi parar de andar quando já bem velhinha quebrou o fêmur e passou o resto dos seus dias numa cama. Mas nunca ouvi dela uma queixa.

Era de uma simplicidade e uma sabedoria cativante. Todo aniversário e Natal o presente que a deixava feliz era Leite de Rosas. Uma vez ganhou um rádio, mas abriu o mesmo sorriso que abria quando ganhava a tradicional loção. E quantas vezes ela chegava para gente com a voz mansa e chamava nossa atenção para algo que estávamos fazendo errado. A gente nem conseguia retrucar.

Toda vez que chegava na nossa casa a primeira coisa que ela dizia era: “Maria que serviço que tem para fazer?” Não adiantava dizer que não precisava, que era para aproveitar o dia com a gente. Ela ficava inquieta. Geralmente minha mãe dava umas roupas para ela remendar. Mas nós adorávamos quando ela fazia duas coisas que eram sua marca registrada. Os bonecos de pano que ela chamava de bruxas e os biscoitos de polvilho frito. Os bonecos a gente brincava até eles se desmancharem. Os últimos dois que ela fez, guardei e hoje estão emoldurados, ornamentando a minha casa.

Mas os biscoitos de polvilho…ah os biscoitos! A gente se agrupava em volta dela enquanto ela começa a amassar. Um tanto de polvilho, um tanto de água e óleo, sal, às vezes um pouco de fubá e um bocado de queijo. Quando tinha! E os tantos dos ingredientes sempre variavam. O melhor era quando ela dizia: “Por cima dos carculos, mais um bocado”. Depois de sovado vinha a melhor parte: a fritura! A gente ficava em volta do fogão, brigando para estar perto do cesto onde seriam colocados os biscoitos já fritos. Ela colocava pouco óleo na panela porque alguns estouravam e espirrava gordura. Nem o risco da queimadura afastava a gente. Ela ia fritando e nós quatro íamos comendo os biscoitos ainda quentes, queimando a língua.

Bibi era supersticiosa. Não comia carne de vaca porque falava que o boi iria ataca-la enquanto ela estivesse dormindo. Não passava em frente de uma casa, dava uma longa volta, porque afirmava que o dono era feiticeiro. E para algumas doenças ela afirmava: “Isso é feitiço das mulheres da praia”, se referindo as mulheres que lavavam roupa no córrego do Lenheiro quando ele ainda não era poluído.

Hoje seria um bom dia para vê-la subindo as escadas e entrar pela casa procurando serviço. Um bom dia para sentir o perfume do Leite de Rosas invadir a sala. Melhor ainda seria vê-la entrando na dispensa procurando material para fazer biscoito de polvilho frito. E acho que até a quarentena iria ficar mais suportável na hora que ela anunciasse: ”Tenho certeza que isso é feitiço das mulheres da praia”. Amém Bibi!

* É jornalista, servidor público aposentado e diretor-administrativo do Notícias Gerais

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